Em fase de acesa discussão sobre o orçamento da nossa pequena nação, entre amores e desamores, casamentos e divórcios, noivados e separados, sobressaiu da trevas da discussão orçamental um tema que se constituiu, para a minha pessoa, uma fonte de preciosa e sempre bem-vinda reflexão. O tema das agências de Rating Internacional.
É claro que não podemos culpar as agências de Rating pelas nossas desavenças orçamentais, pela insuficiente coragem governamental de combater interesses mesquinhos disfarçados de bom senso orçamental, camuflados pela torrente de palavras que sai diariamente, segundo a segundo da comunicação social corporativa.
É claro que as agencias de rating não têm culpa da incapacidade de se fazer um orçamento para as pessoas, um orçamento em que mais de 70% dos impostos (IRS, IVA, petrolíferos e outros) que lhe dão corpo não sejam pagos pela parte da população (80%) que tem apenas 20% da riqueza, leia-se, trabalhadores por conta de outrem. Esses privilegiados, com direito a ordenado, a férias, a folgas, a emprego...esse privilégio da pós-modernidade! Com que então queriam disto para toda a vida, não era? Tomem lá com a flexibilidade e embrulhem.
É claro que as agências de rating não têm culpa que o governo não cobre impostos de forma justa aos 20% de habitantes do nosso quintal que detêm 80% da riqueza nacional. É claro que as agências de rating não têm culpa que o nosso governo em vez de taxar sem dó nem piedade os lucros da banca e as operações da bolsa, venha dizer que a fórmula de combate à injustiça fiscal está na cobrança de impostos sobre os bónus dos gestores da banca (mais uns grãos de areia para os nossos olhos!). Esses são para taxar, os outros...ainda mais.
É claro que as agências de rating não têm culpa dos arranjinhos à direita, das privatizações das partes lucrativas das empresas (o caso da ANA) e da manutenção no erário público das empresas que dão prejuízo (CP, TAP…). Vejamos o caso do BPN, limpa-se a bagunça e privatizam-se as fontes futuras de receita.
É claro que agências de rating não têm culpa que os tais investimentos em obras públicas de proximidade, que tinham o objectiva de dar trabalho a PME’s, tenham sido adjudicados em 80% dos casos, de acordo com dados do tribunal de contas, a empresas como a Soares e Costa, Sonangil… Ou será que as agências de rating têm culpa disto tudo? Como seria o rating português se o orçamento de estado não fosse assim? Comos seria o rating nacional, se o orçamento fosse um orçamento socialmente mais justo?
Não posso prevê-lo, mas o que sei é o que ouço aos quatro ventos, a partir das bocas famintas dos que com tudo isto beneficiam. E o que dizem os Camilos Lourenços, os Luíses Delgados e outros que tais? Aqueles que apelam ao conformismo das pessoas, dizendo que "não há nada a fazer, o mundo funciona assim"!
Estes senhores dizem: baixem os impostos das empresas (quem tem as empresas são os pobrezinhos, não são?). Privatizem negócios que podem estimular a economia (quem compra esses negócios são os pobrezinhos, não são?). Reformulem a segurança social (são os ricos que sofrem com isso, não são?). Baixem a despesa pública (são os ricos que mais necessitam do investimento público, não são?). Enfim, desta cassete já todos estamos fartos e o problema é que não há meio de ela se desmagnetizar.
Ora, estes senhores são os mesmos especialistas que depois trabalham nestas agências de rating. E aqui, quero confessar-vos algo de muito sério. Estou de acordo com o Ministro das Finanças! As agencias de rating são privadas e não o deveriam ser. As agências de rating estão condicionadas por critérios económicos obscuros. Pois é, é isso mesmo, senhor ministro. Não fosse…
Com que então queria capitalismo e agências de rating públicas ao mesmo tempo? Com que então queria liberalismo e os estados a mandar no rating? Afinal de que lado está, senhor ministro?
Existem algumas coisas sobre as agências de rating que importam saber para que se perceba o seu papel nisto tudo e, principalmente, nas desgraça vivida pelos 80% que só têm 20% da riqueza produzida.
As 3 principais agências de Rating, nascidas entre 1909 e 1924, são todas de mãe americana. Norte Americana. A Moody’s Investor Service e a Standard & Poor’s (pobre...só de nome), corporações totalmente americanas, dominam 80% do mercado de rating. A Fitch, de origem americana, mas participada por capital francês, só fica com um bocadito de nada. Democrático, sem dúvida.
Estas agências, como a maioria dos países do mundo não têm regulamentação aplicável ao rating, só são limitadas pela SEC (Securities and Exchange Commission), também americana, por sinal.
Isto por si só, e tendo em conta a preocupação governamental internacional, em governar de acordo com os critérios estabelecidos por estas agências, é suficiente para concluirmos que estamos perante mais um instrumento de domínio e dominação de carácter imperialista. Já não é só FMI que impõe determinada orientação aos países que querem “usufruir” da sua actividade, são também as agências de rating que induzem a determinado caminho, através da avaliação de risco que fazem, pois assim determinam a capacidade futura e a disposição dos governos nacionais de honrarem os seus compromissos financeiros, mais especificamente, pagarem o serviço da dívida pontualmente e integralmente (Standard & Poor’s, 2002c).
Esta avaliação determina a taxa de juro e os encargos que os governos têm de pagar perante a emissão de dívida pública. Quanto melhor a avaliação, menores os encargos. Num sistema liberal e capitalista, faz sentido que assim seja, o problema está em que, estas agências são compostas por pessoas, com interesses pessoais como todas as outras, em determinado tipo de agenda político-económica. Daí que, quando o nosso Ministro das Finanças diz que estas agências estão condicionadas por critérios e estratégias de mercado, não esteja a dizer mentira nenhuma. Aliás, as causas dessa dependência são por demais conhecidas. Vejamos quais as causas enunciadas por alguns estudos que consultei:
• As agências de rating, para além do serviço de rating que prestam a empresas e países, também lhes prestam serviços de consultadoria financeira e gestão de risco. Isto faz com exista um conflito de interesses. Então a entidade que avalia o risco relativo à compra de títulos (acções…) de uma determinada entidade, é a mesma empresa que gere essa entidade? Isto pode fazer com que o rating seja influenciado para que a sua gestão seja valorizada. Se a agência gere essa empresa, não vai classificá-la mal no processo de rating, não acham?
• As agências de rating são Corporations, cotadas na bolsa, e participadas por empresas às quais, muitas vezes, tê de prestar serviços de rating. Estão a ver uma destas agências a aplicar um rating baixo a uma empresa que a detém? Ou o país onde estão cotadas na bolsa?
• As empresas emissoras de títulos que contratam os serviços de rating, remuneram a agência contratada em função do rating atribuído. É claro que o serviço pode ter um preço base, mas a obtenção de um rating baixo pela empresa emissora de títulos pode levar a que essa empresa queira contratar outra agência de rating e como o mercado é monopolista, o que interessa é manter toda a gente contente para que tudo continue como está!
• O mercado do rating não tem competitividade, pois, nos estados unidos, desde 1975 apenas 6 agências cumpriram os requisitos da SEC. É um mercado fechado e tal levou a que duas agencias dominem 80% do mercado e todas as outras pequenas se tenham unido à Fitch. Cada uma tem o seu quintal e a melhor forma de o manter é manter todos contentes.
É claro que assim, compreendemos como é que a Islândia ou a Irlanda obtinham boas classificações no rating. Estes países são dois exemplos concretos do mais liberal que existe na Europa. Estas agências, no fundo, têm uma tentação enorme para funcionar com impulsionadoras e trampolins para a entrada e domínio no mercado de capitais de determinadas empresas e países. São um instrumento privilegiado destas empresas e países, que assim influenciam governos a prosseguir determinadas políticas económicas, sob pena de obtenção de um rating baixo e de, posteriormente, não conseguirem sequer financiar a sua divida publica. E a maior prova disto tudo é que não prevram a actual crise, não obstante todos os avisos que os economistas "non agiornatos" faziam desde há algum tempo. Não quero publicitar, neste espaço, um dos sites no qual costumo dar conta destas coisas, para não influenciar ninguém, mas já desde 2007, pelo menos, que se falava dos perigos do pico petrolífero e da explosão da bolha imobiliária, nas fundações do sistema caitalista. Por outro lado, os resultados da economia de casino em que vivemos e da especulação desenfreada já eram previstas desde o século XIX por um tal senhor que muita gente gosta de dizer que se enganou. Basta ler a Histório do Pensamento Económico, para percebermos que nem todos os economistas pensam da mesma forma e que nem para todos os economistas esta crise é uma surpresa. Foi uma surpresa para os "contabilistas" que têm voz na comunicação social corporativa, porque de tão iludidos com este economicismo todos, se esqueceram que a economia é uma ciência social e não uma ciência exacta.
Então que critérios estas agências usam para classificar o rating dos países? São os seguintes:
(a) estabilidade e legitimidade das instituições políticas; (b) participação popular nos processos políticos; (c) probidade da sucessão das lideranças; (d) transparência nas decisões e objetivos da política econômica; (e) risco geopolítico; (f) outros (caso necessário).
É engraçado que perante os critérios enunciados, haja um que ressalte, cada vez que um papagaio do imperialismo abre a sua faminta bocarra. O critério d) Economia. E o mais engraçadas são as recomendações das agências aos estados, que como Portugal, estão mal cotados no rating:
• Contenção da despesa pública para baixar os impostos
• Dinamização da economia através de uma política de privatizações selectiva (só as que dão lucro!)
• Flexibilização das relações laborais
• Reforma do financiamento da segurança social
• Congelamento dos salários da função pública
• Estabilização do sector bancário
• Estabilização do sector bancário
Estas são apenas algumas das recomendações que têm sido enunciadas na comunicação social. Serão estas as mesmas recomendações do FMI? Serão estas as mesmas recomendações dos partidos da direita? A que agenda respondem estes critérios? A uma agenda social? Não parece mesmo nada.
Concordo então inteiramente com o nosso Ministro das Finanças! O Dr. Teixeira dos Santos referiu que estas empresas de rating não deveriam ser privadas. Pois não! Não podemos colocar nas mãos de privados um instrumento tão importante com este é na regulação da governação dos estados. Mas, o que faz pecar o senhor Ministro é que a lógica inerente à natureza privada destas agências, é a mesma lógica que está inerente ao carácter privado de uma carrada de outras coisas e com as quais o senhor minstro, não só está de acordo, como até impulsiona. Será que o sector energético deve ser privado? E o sector das àguas (que se preparam para privatizar)? Ou a educação ( as universidades públicas continuam sem cursos superiores nocturnos, desde que o Durão acabou com eles, Sócrates também nãos os retomou). Será que a lógica vigente, e a qual o governo legitima ao negociar o orçamento de estado com a direita, não é a lógica da privatização crescente da totalidade das actividades sociais e económicas? O que são os Hospitais empresa? E a brisa? E as parcerias privadas para a construção do aeroporto?
De que se queixa o ministro afinal? Do sistema? Ou da fraca expressão internacional do estado Português, não suficiente para influenciar o processo de rating destas agências? Se calhar é mais isto, não é Senhor Ministro?
Fica a minha proposta. As agências de rating não devem ser públicas, nem privadas. Devem ser do sector social. Devem ser entidades compostas por peritos indicados pelos diversos parceiros sociais (empresas, estado e sindicatos, associações civis sem fins lucrativos que sejam representativas, ONG’s…). Cada uma com os seus critérios. Só assim será possível fazer com que estas agências não classifiquem apenas de acordo com critérios economicistas, mas também de acordo com critérios de justiça social, coesão, sustentibilidade, desenvolvimento, politicas ambientais e todo um conjunto de requisitos que determinem que as políticas públicas têm de ser no sentido do interesse geral das pessoas e não de determinadas “pessoas”. Mas quem é que quer isto? Se calhar sou só eu e mais...eu! Serei eu que estou mal? Se calhar estou. Calo-me…por agora.
Hugo Dionísio