Imagine
esta situação: De um lado o Estado Europeu, espartilhado pelo tratado
orçamental, sem qualquer capacidade de crescimento, investimento e promoção da sua
imagem ou estrutura; de outro lado, o sector privado das corporações e
multinacionais, usufruidoras das “ajudas” do estado, detentoras do capital “concentrado”
e de todas as alavancas necessárias à sua expansão, promoção e investimento.
Nestes termos, depois de um pacto orçamental “espartilhador” do estado, sucedido
por um TTIP (Transatlântic Trade and Investment Partnership) que liberalizará
toda a actividade económica, incluindo as que, tradicionalmente, dependem do
estado… O que sucederá com o nosso Estado Social? O que sucederá com a nossa
democracia?
O Pacto Orçamental - A quebra do contrato social
O
tratado orçamental ou pacto orçamental (TECG) foi a primeira etapa do processo
de aniquilação e liquidação final (depois de uma grande ofensiva ideológica ao
nível de cada estado membro) do Estado Social Europeu. Porquê?
Porque
a forma de travar o Estado e, acima de tudo, as pretensões democráticas dos trabalhadores
e povos europeus, das Constituições Nacionais e dos Tribunais Constitucionais,
proteccionistas de uma certa ideia de Estado humanista, seria cortando as “pernas”
a tais intenções. O cortar das “pernas” mais não é do que o cortar do sistema
de financiamento do Estado Social.
Para
que o Estado Social funcione é necessário financiamento. Esse financiamento é,
ainda, assegurado através do sistema de redistribuição de riqueza, assente na máquina
fiscal e na segurança social. Por outro lado, o crescimento (tudo precisa de
evoluir senão morre) do Estado Social, a que corresponde a melhoria das condições
de vida das populações, necessita de investimento público. Este investimento
tem retorno, não se trata de um custo ou de “despesa”, contudo, para que se
faça, necessita de capital de entrada e é aí que o pacto orçamental também
entra.
Ora,
se o Pacto Orçamental obriga a reduzir a despesa pública, mantendo o défice em
baixa, desta forma, atinge o financiamento do Estado Social, principalmente,
numa altura de crise, durante a qual a economia não cresce e as despesas
sociais aumentam. O Pacto, simplesmente, impede o estado de gastar esse
dinheiro, eliminando a capacidade redistributiva da riqueza angariada através
dos impostos, canalizada, assim, para a máquina a supressão do défice e não
para a satisfação de necessidades sociais que fariam, como se sabe, crescer a
economia.
Por
outro lado, se o Estado não se pode endividar, o Estado Social (entre outras
dimensões económicas do estado) não pode expandir-se ou alargar-se, conferindo
uma maior protecção social, uma maior solidariedade e permitindo a canalização
de investimento para as pessoas, investimento esse que, mais tarde se
traduziria em retorno e consequente crescimento económico.
Em
resumo: o estado não pode empreender, redistribuir, investir, seja por via da
receita que recolhe, seja por via do endividamento a que poderia recorrer.
Este
foi, portanto, a primeira machadada em larga escala ao Estado Social Europeia.
Até aqui apenas havíamos assistido a dois planos deste trajecto: criação da infra-estrutura
assente numa Europa anti-democrática, desigual e autocrática; a propagação em
cada país de ideias e práticas anti sociais, anti Estado Social e pró liberais
que enfraqueceram os Estados e retiraram capacidade critica e de participação
aos povos.
O
Pacto Orçamental correspondeu (após o trajecto percorrido pelo Tratado de
Maastricht, pelo Pacto de Estabilidade, pela Estratégia de Lisboa, pela
Constituição Europeia…) ao rematar de toda a estratégia de tentativa de supressão
do Estado Social. Esse sim, a espinha encravada nas gargantas dos liberais que,
por haver uma URSS, foram obrigados a engoli-la. Agora, que detêm o poder unipolar
nas mãos, pensam que nada os pode parar e, nessa medida, tentam canalizar todo
o fluxo financeiro destinado ao Estado Social, para a um sistema económico
privado, potenciador da concentração da riqueza nas maiores corporações
multinacionais.
A remoção das barreiras constitucionais
Mas
eis que havia um problema! Não obstante as potencialidades abertas pelo Pacto
Orçamental, grande parte dos Estados Europeus ainda detinham os monopólios, ou
pelo menos, o poder de regular, a prestação de serviços como a Saúde, Educação,
Segurança Social. Ou seja, o capital liberal e corporativo, não pode entrar
como quer, quando quer e com quanto quer. São, ainda, os Estados que detêm esse
poder. Como ultrapassá-lo?
Foi
neste ponto que as cabeças pensadoras, constituídas por governos fantoches ao
serviço das maiores corporações mundiais, colocaram toda a sua capacidade
criativa e trituradora de seres humanos.
De
um lado, os EUA com a economia afogada em estagnação e dívidas, mas detentores
das maiores corporações multinacionais do mundo. De outro lado, a Europa, de
economia estagnada, mas com um mercado enorme, com poder de compra e detentora
de governos comprados pelas maiores corporações multinacionais. Foi aqui que
surgiu a solução final. Tal como os nazis, neste plano, os capitalistas liberais
(não confundir com libertários ou com liberdade) também traçaram a “Solução
Final”, mas desta feita, dirigida não apenas aos judeus, mas a toda a classe média
e classe pobres da Europa e arredores.
A “solução
final”, etapa final da destruição do Estado Social Europeu, do Modelo Social
Europeu e da qualidade de vida dos trabalhadores e povos da Europa, surgiu com
o TTIP (Transatlantic Trade and Investmente Partnership). Este tratado surge
como a etapa final que permitirá, em caso de aplicação, ultrapassar os
constrangimentos constitucionais Europeus. De que forma?
Bastaria
dar uma olhadela à propaganda da Comissão Europeia para o perceber. Bastaria ver
que, se a Comissão Europeia, os Junkers e os Barrosos, apoiam o TTIP, coisa boa
não viria, porque nada de bom resulta para nós, vindo desta gente.
A obrigatoriedade importa pelos mais fortes
Mas,
para terem uma ideia, passo a enumerar alguns aspectos previstos neste tratado
e que, de forma inexorável, a aplicar-se, se repercutirão nas nossas vidas:
- O tratado permitirá às empresas americanas a interposição de processos judiciais contra os estados membros europeus que promovam leis que impeçam o acesso a determinadas áreas de negócio.
Ou
seja, se uma empresa Americana no sector da Saúde, Ambiente ou Educação quiser,
por exemplo, investir em Portugal e for limitada pela Constituição, essa
empresa pode colocar o nosso governo em tribunal de forma a ser ressarcida dos
lucros potenciais que prevê perder.
Esta
possibilidade também se aplica às empresas Europeias em território Americano,
contudo, o efeito não é de longe, nem de perto, igual. As maiores corporações
multinacionais na área da Saúde, Educação e Ambiente são Americanas e nos EUA, o
constrangimento legal ou constitucional de acesso a estes negócios, não existe.
Pode negociar-se qualquer área, incluindo na militar. Portanto, quem ganha com
isto? Pois é… O Tio Sam.
Esta
possibilidade de recurso judicial contra os estados levará a que os governos
Europeus não permitam a aprovação de leis que impliquem o pagamento destas
indemnizações, sob o pretexto de aumentarem o Deficit, imposto pelo Pacto
Orçamental.
Em
português claro: o TTIP obriga os estados, em coordenação com o Pacto
Orçamental, a legislarem politicas liberais e anti-sociais. O TTIP e o Pacto
Orçamental, em conjunto, constituem o mais forte instrumento de ditadura económica
que alguma vez vimos na história humana. Ou deixam as multinacionais pilharem à
vontade, ou pagam a factura da pilhagem em indemnizações… Agora escolham!
- As barreiras de regulação contra produtos Biotecnológicos, transgénicos, produtos manipulados geneticamente, presentes em legislação Europeia, terão, ao abrigo do TTIP de ser removidas.
Em França,
a oposição do público tem sido muito forte. A verdade é que, se os Estados não
removerem as limitações a estes produtos, no sentido de se instituir um verdadeiro
“Free market”, também as corporações multinacionais Americanas (as grandes
beneficiadas, porque as Europeias respeitam essas regulações) poderão exigir
indemnizações por lucros potenciais.
- As pequenas e médias empresas Europeias, desprotegidas face às grandes corporações que encontrarão espaço livre para a sua acção, serão inequivocamente ameaçadas, abaladas por este tratado.
A
abertura de um mercado sem tarifas alfandegárias, totalmente livre de imposições
estatais, impedirá o apoio a PME’s e impedirá discriminações positivas a favor
das pequenas empresas. Estas ficarão nas mãos das grandes corporações. Não
podemos esquecer que a maioria do emprego é criado por PME’s…
Muitos
outros serão os efeitos deste TTIP, caso seja aplicado. Por exemplo: ao nível
da liberdade da banca Americana para impor a sua vontade aos governos Europeus,
o que já faz, mas secretamente, passará a fazê-lo às claras; a possibilidade de
troca e compra de dados pessoais na Europa, passando as corporações de vigilância
Americanas a ter no seu radar, de forma formal e legal, todos os cidadãos
Europeus…
O fim da democracia, a afirmação Imperial
Pensem
num mundo em que, votem em quem votarem elejam quem elegerem, nada muda porque
tudo passa por cima dos governos. Pensem num mundo em que quem manda não é
eleito, sequer. Já é assim? Pois é, mas não é assumido. Se permitirmos a
aplicação deste tratado, tudo passará a ser Às claras e o feudalismo
capitalista entrará na sua fase final.
A
desfaçatez com que a Comissão Europeia promove o TTIP é tanta que, se forem ao
site da EU sobre este assunto, poderão encontrar noticias como:
- “O TTIP protege a capacidade de os estados regularem a Saúde Pública”.
Como?
“O TTIP permitirá aos governos regularem a Saúde Pública como desejarem”.
- “Protecção de serviços Públicos no TTIP”
Como? “A Regulação sobre monopólios
e “tratamento nacional” assegura aos governos Europeus a liberdade de gerirem
os seus serviços públicos”
- “Ajudando pequenas empresas e negócios como o seu”.
Para
lembrar: 90% do lobbying e das comissões de acompanhamento e negociação do TTIP
são grandes corporações. Acreditam que se preocupam com as PME’s?
Se não acredita: http://ec.europa.eu/trade/policy/in-focus/ttip/index_en.htm
O secretismo das ditaduras
Como
em tudo o que implica a supressão de princípios democráticos considerados
fundamentais, também no caso do “Transatlantic Trade and Investment Partnership”,
toda a negociação se faz de forma secreta, à margem dos holofotes da opinião pública,
sem a visão “imparcial” da comunicação social de “referência” e de forma a que
a “democracia liberal” não interfira na definição de políticas totalmente
anti-democráticas.
Todas
as reuniões que interessam (para além das públicas que são apenas folclore)
ocorrem e ocorreram de forma secreta, sem nunca se revelarem as reais intenções.
De qualquer forma, no quadro actual da EU, dos poderes europeus e da relação de
forças e entre Povo e Capital, todos podemos antever o que aí vem.
O
que sabemos é que a malha anti-democrática se aperta cada vez mais. Cada vez
mais se estabelecem tratados e legislações internacionais que condicionam, de
forma crescentemente autoritária, as escolhas democráticas, dos povos e dos
governos.
Cada
vez mais temos de participar, esclarecer e lutar. Quanto maior a ofensiva,
maior a resposta. Ainda acha que isto não o vai afectar?
Depois
diga que não sabia.
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