Europa? Só por telemóvel!
João Ferreira, Eurodeputado do PCP, interpelava Junker sobre a necessidade de renegociação da dívida pública Portuguesa, tentando, infrutuosamente, prender a atenção do seu interlocutor. E o que fazia Junker? Prestava atenção ao deputado Português? Ouvia-o com a atenção merecida a quem representa centenas de milhar de cidadãos Europeus? Escutava com a concentração de quem respeita, profundamente, a praxis democrática de uma Europa que ainda se orgulha de pertencer ao que os EUA apelidam de "mundo livre"? Não! Junker, Jean Claude Junker, estava com muita atenção. Muita! Estava com atenção ao que a sua mulher dizia ao telemóvel. «Ces't ma Famme» - disse ele a João ferreira.
Aqui têm o vídeo do que se passou:
Ponto prévio: isto nada tem que ver com partidos políticos. Quem pensar que eu levanto este problema por estar contra o Junker, ou a favor do Eurodeputado João Ferreira, está muito enganado. É de condutas que trato.
Este facto diz muito do que é, hoje em dia, a democracia Europeia, a Europa e o sistema democrático de natureza capitalista. Junker mais não reflecte do que a cultura que subjaz à visão que os governantes actuais têm do exercício do poder.
A praxis democrática tornou-se uma mera formalidade legal. A lei obriga, a Constituição obriga, os tratados comunitários obrigam, tem de se fazer. Mas faz-se - e esta cultura não é exclusiva de Junker - no pressuposto de que a discussão não gera alteração à orientação pré estabelecida. Daí que, durante o ritual democrático, tenha deixado de constituir crime a utilização do telemóvel, do tablet, do portátil e dos recursos e diversões que tais instrumentos possibilitam.
Junker fala de cima para baixo. Não apenas Junker. Todos os Junker's deste mundo falam de cima para baixo. As suas orientações são definidas no "jantar de negócios", no "almoço de trabalho" e através da "linha verde" directa, da qual apenas alguns - poucos - privilegiados, dispõem.
A ida ao "colectivo" multipartidário, é uma "ida" formal. Tudo está resolvido, definido e estabelecido. Os corredores, os restaurantes, os gabinetes e as mansões, tornaram-se as antecâmaras da decisão "democrática". O hemiciclo, nacional, internacional ou comunitário, apenas constitui a formalidade que valida.
Daí que, Junker pense que é mais importante falar coma sua "Famme" do que com João Ferreira. Para Junker, João Ferreira nada tem a dizer. Aliás, Junker fez um esforço tão grande para o ouvir, quanto o que fez para responder às questões que o Eurodeputado lhe colocou. Ou seja, simplesmente não respondeu. «Por falta de tempo», alegou.
O Eurogrupo, os consultores da Merkel, os Ministros das finanças da UE, o BCE, o Bilderberg e os assessores de Obama, FMI e outros que tais, já discutiram tudo o que haviam a discutir sobre Portugal e sobre a Europa. Daí o «sei tudo sobre Portugal» de Junker. Para quê ouvir um Eurodeputado que, à partida, nada vai dizer que esteja de acordo com o quadro politico mental situacionista? Para quê perder tempo a ouvir propostas, questões e sugestões que estão em contradição absoluta, não com a vontade dos povos que votam, mas em contradição absoluta com a vontade de grande maioria dos "votados"?
O «Apresse-se» de Junker para João Ferreira constitui o emblema do exercício do poder actual. Uma espécie de "lá vamos ter que apanhar com eles", ou, temos de fazer o sacrifício de os ouvir, para que no fim fique tudo na mesma".
Não sei se o que me chocou mais foi a petulância de Junker e o desrespeito para com o sistema representativo, se o facto de tal conduta já não chocar ninguém. Nem jornalistas, nem os restantes Eurodeputados. Junker desrespeitou-os a todos, tala como Passos Coelho desrespeitou a deputada do BE quando se negou a responder-lhe.
Bem sei que prego no deserto e que a maioria das pessoas se contenta com um «é por isso que eu não voto». Para mim não chega. Junker e os seus comparsas ofendem-me todos os dias. Ofendem-me quando não ouvem os meus representantes, quando não ouvem os seus colegas, porque preferem falar com as suas "Fammes", estar do "face" ou "twittar" para os seus compinchas.
Ofendem os que não votam, porque gastam os seus impostos numa farsa em que não acreditam. Ofendem-nos a todos porque não nos querem ouvir, porque preferem ouvir o "grupo" ao povo; porque preferem ouvir o "empresário", à classe trabalhadora; porque preferem ouvir o financiador aos financiados; porque preferem ouvir a banca aos contribuintes; porque se preferem ouvir a si próprios. Eles já só se ouvem a si próprios.
A Europa de Junker é a Europa da farsa. A democracia Europeia é tão farsola quanto o é a Europa dos cidadãos (Campanha Europeia 2020 - Europe for Citizens). A democracia grega deixava de fora escravos, mulheres e servos. A democracia burguesa, capitalista e liberal, deixa de fora o povo. Até a "Famme" de Junker tem mais voto na matéria.O acto de votar tornou-se um mero formalismo para esta gente. Prometem umas tangas que já sabem não cumprir, são eleitos e depois... Depois vocês sabem.
Queria ver Junker a atender a mulher quando fala com o Obama, ou com a Lagarde, ou com a Merkel... Ah isso é que queria. Esta é a democracia na nova Roma. Se a democracia é o governo do povo, a democracia Europeia actual é a democracia "despovoada".
Depois admiram de um dia serem todos "pendurados".
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