Competentes na incompetência - quanto custa um incompetente?



O relatório do FMI, sua base de trabalho para a 7ª avaliação da Troika, omitiu dados estatísticos fundamentais sobre a realidade salarial portuguesa, dados esses que comprovavam a descida real dos salários em Portugal. Foi mais um "esquecimento", "erro" ou "incompetência" que nos custará milhares de milhões de euros e inúmeras desgraças humanas resultantes dos abusivos, desumanos e ilegítimos cortes governamentais.


Desde o “não comento”, ao simples “isso não é bem assim”, variadas foram as reacções, sendo que, uma delas, reportada por uma jornalista da SIC que vocalizava a peça em causa, veiculada pelo próprio FMI, será talvez aquela que mais tem de estapafúrdio e, ao mesmo tempo, de revelador quanto às reais intenções e predisposições dos primatas, mais claros ou escuros, que compõem um dos mais importantes canhões simbólicos do imperialismo ultra liberal.

 Razão: "bases de dados da segurança social são muito complexas"

Bem…Disse a senhora jornalista que, uma das razões apontadas pelo gabinete técnico do FMI para a omissão dos dados estatísticos em causa, comprovadores da elevada perda salarial, foi a de que, “as bases de dados da segurança social revelaram-se muito complexas e de consulta difícil, não permitindo, desse modo, a validação dos dados constantes no relatório do FMI que estava na base da 7ª avaliação” do pedido de sequestro económico nacional.

Podemos retirar desta informação, veiculada pelo próprio FMI, que os dados do relatório não foram validados porque “dava muito trabalho” comprovar a veracidade dos dados que se pretendiam utilizar – e que muito jeito deu, digo eu.

Como dizia atrás, esta omissão deliberada reflecte as reais intenções destes “fora da lei” a quem chamamos de governo e dos “capos” da Troika que guardam a “cosa nostra” do capital mais selvagem e predador.

Qualquer pretexto serve para mentir, omitir, desinformar

Primeiro, reflecte a intenção, já padronizada e concertada há muito, de utilizar impunemente dados estatísticos, extrapolações abusivas e falsas correlações, da realidade económica dos países “sequestrados”. A utilização planeada de dados falsos e falseados dá um enorme jeito na campanha de desinformação e contra-informação em curso. No caso patente, a redução salarial de 1/3 dos rendimentos dos portugueses não parece ainda agradar aos líderes mentais de tão desumanizados primatas.

O que lhes interessa é a realidade virtual da especulação

Por outro lado, esta pretensão, tantas vezes verificada de fazer parecer que “a realidade não é aquilo que nós pensamos que é”, e que “a realidade que eles constatam é inversamente correspondente à realidade que todos sentimos”, mostra que estes senhores não se preocupam minimamente com a legitimidade democrática das suas politicas, por um lado, tal como não se preocupam com os efeitos que as suas pretensões possam ter na realidade concreta em que a generalidade dos seres humanos (sobre)vivem. Para estes primatas telecomandados através de gráficos, fluxogramas e diagramas, a única realidade que lhes importa é a realidade virtual, paranormal e surreal dos fluxos de capitais dos seus líderes mentais – não lhes querendo eu atribuir a categoria "elevada" de animais dotados de espírito. O alarde que fazem do que consideram ser o seu pragmatismo radical, nada mais é do que a sua correspondente incapacidade para sonhar e imaginar. Logo, têm mente, espírito humano, não têm, não senhor!


 Mentir? Não importa, desde que se tenha comunicado a mentira ao povo para o confundir.

Se a realidade virtual da riqueza “futura” e “derivada” inexistente é a única que interessa a esta gente, como utilizar números e estatísticas reais? Algo não bateria certo, o que nos leva ao terceiro ponto. Esta situação mostra também a preparação destes seres plastificados e azul-escuro e cabelo lambido, para a desonestidade intelectual. O que importa não é o que a realidade é. O que importa é o que queremos que ela seja. Logo, não importa se alguns sabem a verdade, o que importa é que quem a saiba não tenha o poder suficiente para lhes retirar o poder de torná-la naquilo que eles querem que ela seja. Não se importam, portanto, de mentir e de dizer que se enganaram. O objectivo de desinformação foi cumprido e para isso é que existe a média corporativa.


O que é um crime? a incompetência propositada.

Agora, partindo do princípio de que esta omissão de dados não é criminosa – criminosa, com todas as letras – mas resultado de uma incompetência de bradar aos céus, tal constatação levanta duas questões importantes: 1. O que estão a fazer tais incompetentes numa organização como o FMI cuja intervenção errónea afecta a vida e a morte de milhões de pessoas? ; 2. Será que esta incompetência não será propositada de forma a justificar erros que, na prática, não o são?


O real objectivo da incompetência propositada

Bem, quanto à primeira questão, podemos fazer um paralelismo muito simples para nos apercebermos da incompetência ridícula e absurda que implicaria a justificação do FMI para a não validação dos dados. Imaginem um cientista que procura uma vacina para um vírus muito difícil de detectar e identificar. Imaginem que, após tentativas diversas e sem resultado, dada a capacidade de camuflagem desse vírus, o cientista em questão optasse, em consequência, por imaginar o que deveria de ser aquele vírus – e que não era – e inventasse, dessa forma, uma vacina baseada na sua leitura individual e especulativa da doença. Imaginem que, após a administração da vacina, a milhares de pessoas e após a morte de mais milhares ainda, viesse o referido cientista dizer “a vacina não é boa porque o vírus era muito difícil de detectar e estudar e, portanto, eu inventei uma vacina qualquer”. Neste caso, nós acrescentaríamos, “o que era importante era haver uma vacina que se vendesse, não uma vacina eficaz”.

Ora, a explicação do FMI corresponde a algo deste tipo. Identificar os salários reais em Portugal é muito difícil porque a base de dados da Segurança Social é complexa e pouco acessível. Então, inventam-se os dados de forma que os mesmo atinjam o objectivo real, o de baixar os salários ainda mais e não o de resolver os problemas económicos do país.

Como vêem, mesmo esta incompetência demasiado ridícula e absurda para acreditarmos nela, teria na base uma intenção obscura. No caso da vacina era fazer dinheiro, no caso do FMI é extorquir dinheiro para os credores especulativos internacionais.

 Quem tem todo o dinheiro que quer, só de forma propositada recorre à incompetência

Esta correlação leva-nos à segunda questão. Esta incompetência revela que a sua própria existência é propositada. Alguém acredita que o FMI recorreria a incompetentes como Gaspares e companhia de forma ceguinha e inadvertida? Não, acreditar nisso seria muito ingénuo. O FMI, BCE e outros que tais têm dinheiro para contratar quem querem contratar. Contratam gente que, quando querem ser competentes são-no, quando querem ser incompetentes também o são. Contratam gente capaz mas sem ponta de ética, humanidade ou compaixão. Gente capaz de revelar grandes competências quanto à sua capacidade de se mostrarem e assumirem como incompetentes.

a auto comiseração de Gaspar. "A culpa foi minha!"

Prova disto? O Gaspar quando saiu, na sua carta de despedida, assumiu a sua incapacidade e incompetência. “A culpa foi minha, não foi das políticas da Troika e da Merkel”, disse ele. Como vêem, a incompetência também se paga e há os incompetentes naturais e os incompetentes artificiais, que são aqueles cuja competência está precisamente em fazer-nos querer que são incompetentes. Depois de atingirem os objectivos obscuros, antidemocráticos e inumanos para que estão vocacionados, limitam-se a dizer “enganei-me”. Ninguém vai preso, ninguém é punido porque o erro é humano, mesmo quando perpetrado de forma tão desumana.


P.S.

Não fiquem muito chocados por eu ter catalogado de criminosa a omissão dos dados. Uma omissão de dados deste tipo tem um objectivo: reduzir salários, reduzir serviços de saúde, educação e pensões. Maior miséria resulta em maior desgraça. Menos dinheiro gasto na saúde, resulta em mais mortes. Menos dinheiro pago nas pensões resulta num roubo descarado ao indivíduo que toda a vida trabalhou e descontou segundo um determinado regime e segundo uma determinada perspectiva. Como se chama as pessoas que provocam miséria, mortes e roubos? Vocês sabem. E nem me venham com a tanga que em democracia não se usam estes termos– como disse Telmo Correia ao Carvalho da Silva por este ter definido de banditismo uma atitude mentirosa e hipócrita do Passos Coelho. É, precisamente, em democracia que não temos de ter medo das palavras e temos de usar a liberdade prevista para empregarmos os termos que consideramos adequados a cada situação. Sem falsos moralismos, sem hipocrisias e sem a correcção politica que tantas vezes é confundida, e mal, com educação. Educação é não mentirmos, não sermos desonestos, intelectual e materialmente, é respeitarmos os outros como iguais. Ser politicamente correcto é fazer de conta que, contra os interesses da verdade e da frontalidade, não estamos a ver o que vemos e que não temos vontade de chamar o nome que queremos e devemos chamar aos bois. Até porque tais bois fazem tudo, mesmo que de forma aparentemente correcta, para merecer tais nomes.

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