Os comentadores e a isenção
Os comentadores da nossa praça – refiro-me aos que considero
minimamente sérios e livres na sua opinião –, numa lógica aparentemente neutra
ou pseudo isenta, quando se referem à actual crise e ao actual panorama “austeritário”,
costumam transmitir a sua preocupação quanto à sobrevivência do actual sistema
democrático.
Nesse desfilar de causas e consequências, é costume
referirem a seguinte opinião: “este tipo de governação vai levar ao fim da
nossa democracia”. Todos percebemos isso, sobretudo, quando outra análise não
pode resultar da actual sequência de perda de direitos, liberdades e garantias.
A continuar este estado de coisas, muita coisa irá, certamente, ao ar.
No entremeio das suas preocupações com o aumento da
conflituosidade social – continuo sem perceber esta obsessão pela situacionista
“paz social” – e com o aumento do descontentamento popular, é com toda a
aparente sapiência que dizem: “o descontentamento leva ao voto no populismo”.
Até aqui tudo bem, estamos de acordo.
Nãos e ficando por aqui, como cão com medo das arrelias do
dono, os nossos comentadores acabam por concretizar a ideia anterior com a
seguinte ideia: “o voto do descontentamento é canalizado para extrema-direita e
para a extrema-esquerda”.
Como costumo dizer, uma no cravo e outra na ferradura. Afinal,
é tal ideia de "centrismo" filosófico e ideológico que lhes garante, em toda a
extensão, a presença nos meios de comunicação social.
É, nesta ultima ideia que os comentadores mais idóneos da
nossa praça – estou a falar apenas e tão só de comentadores políticos e não de
políticos convidados a comentar – acabam por desvelar a sua real idiossincrasia.
O voto do descontentamento é canalizado para a extrema-esquerda?
Quando é que isso aconteceu? Alguém é capaz de dar um exemplo que seja de um país
democrático, no qual o descontentamento popular com os partidos do centro tenha
descambado, num voto submetido a uma lógica populista de extrema-esquerda?
Conhecem apenas um exemplo?
O voto do descontentamento
Vejamos alguns casos. A Finlândia: verdadeiros finlandeses, extrema-direita
populista. França: Marie Le Pen, extrema-direita populista. Itália: Pepe Grilo,
palhaçada indeterminada. Áustria, Holanda, Irlanda, Inglaterra, Bélgica, Hungria…
Poderia continuar. Todos de direita bem extrema. Á excepção do palhaço Pepe
Grilo que, para nossa sorte serviu de catalizador contra os votos que poderiam
dirigir-se para o mafioso “Berlusconi” e que, curiosamente, não é visto como
populista e demagogo, mas sim, como um homem do sistema.
Concluindo, nem um só exemplo de voto de descontentamento à
extrema-esquerda. Nem um. O voto incauto, o voto desinformado, o voto da falta
de ideologia, o voto xenófobo, o voto intolerante, o voto de raiva, o voto
sentimental é sempre, mas sempre, um voto de direito. Sempre.
As diferenças
Podem vir com as Venezuelas, os Equadores e as Bolívias.
Esses votos não são votos populistas ou desinformados. Sabem porquê?
Primeiro: o populismo assenta na seguinte ideia – dizer ao
povo o que ele quer ouvir sem que se tenha a mínima intenção de o satisfazer. O
objectivo é tão só ser eleito e obter o poder. Daí a expressão “populismo”.
Ora, nos casos apontados ocorridos na América latina, estamos perante
governantes que, mal ou bem, têm tentado governar ao serviço do povo e dos mais
desfavorecidos, promovendo uma mais justa redistribuição da riqueza e com total
respeito pelas regras democráticas. Aliás, ao contrário dos populistas que, ou
descambam em ditadura ou são corridos do governo (lembram-se do Haider da Áustria?),
estes ganham eleições sem conta, umas atrás das outras, devido ao
reconhecimento daqueles para quem governam.
Segundo: O voto à esquerda, não à extrema-esquerda, embora
hoje em dia goste-se de catalogar a verdadeira esquerda como “extrema”, é
sempre um voto informado. Um voto de conhecimento de causa. É o voto de quem
reconhece a vantagem de votar em alguém que tem a intenção de governar numa
determinada direcção. Porque é que no Alentejo se votava no PCP? Por causa da
Reforma Agrária, por exemplo. A reforma Agrária deu aos pobres a primeira
oportunidade de dignidade das suas vidas. Daí o voto informado, o voto assente
na experiência e no conhecimento de causa. O voto conquistado. Julgo que todos
reconhecemos que as câmaras municipais do PCP, durante décadas foram das únicas
bem geridas em Portugal. A situação era conhecida. Bastava, nos anos 80,
comparar as câmaras do Alentejo às de Trás-os-Montes.
Terceiro: O uso da demagogia pode ocorrer na esquerda? Claro
que pode. Mas nãos e confunda demagogia, com populismo. A demagogia consiste em
exagerar um determinado facto de forma a dar-lhe um destaque que não merece ou
uma dimensão superior à que realmente possui, retirando daí, dividendos
eleitorais. Mas não é o mesmo que inventar factos ou mentir, como sucede no
populismo. Infelizmente, o jogo demagógico é profícuo em política e, deixem-me
dizê-lo, não é a esquerda que mais abusa dele.
Conclusão: senhores comentadores, não confundam extrema-esquerda
com a extrema-direita. Não são a mesma coisa. No primeiro caso falamos de um voto
descontente mas de revolta, de intenção revolucionária. No segundo caso,
falamos de um voto reaccionário, xenófobo e intolerante. Sorte a nossa que o
descontentamento e o sentimento de reacção desembocasse à esquerda. Sorte a
nossa. Mas não é, nem poderia ser o caso. Ao voto de extrema-direita falta-lhe
a informação, o conhecimento e o sentido de justiça. Falta-lhe a sabedoria. Não
é a toa que o discurso mais básico de todos é sempre um discurso de
extrema-direita. O discurso do retrocesso é sempre um discurso de extrema-direita.
Não vamos mais longe, o governo que mais nos leva em direcção
ao passado é o governo em que manda o CDS-PP. Lembram-se das feiras, dos táxis e
dos velhotes? Já sabem o que o populismo?