No dia em que o “desgraçado governo da nossa desgraça”
decidiu lançar 3 mil milhões de euros em dívida pública a 10 anos, segundo as
notícias veiculadas pela comunicação social, a procura por parte dos mercados
correspondeu a um montante de quase 10 mil milhões.
Essa elevada procura, segundo dizem, permitiu colocar a
dívida a 5,11% de juro. Foi uma festa enorme, foguetes, confettis e musica a rodos.
Palhaços e palhaçadas, nem se fala. Foi um ver se te avias. O IGCP veio dizer
que esta operação foi um sucesso total, "atingindo um marco importante ao
começar a pré-financiar 2015 e a construir uma almofada de tesouraria".
Almofada? Pré-financiamento de 2015? Então, não havia que
aplicar medidas draconianas porque sem elas o dinheiro não chegava? E agora já
se fala em almofada de tesouraria para 2015? Algo não bate certo. E bate ainda
menos certo quando, no mesmo dia a Espanha colocou dívida, também a dez anos, só
que com juros de 2,8%. Ora, se os portugueses 5,11% são um sucesso, como se
classificarão os espanhóis 2,8%? Um êxtase económico-mercantil? Uma lotaria
financeira? O euromilhões da dívida pública?
Não, meus caros, o euromilhões da dívida pública estamos nós,
Portugueses do povão, a atribuir à banca internacional da Escandinávia,
Inglaterra, Portuguesa e outras que tais. Esses é que estão a ganhar o euromilhões
da dívida pública, pago com os nossos impostos, a nossa miséria e a nossa fome.
Regozija-se esta cambada irresponsável com os atingidos
5,11%, mas a questão é esta: só se atingiu esta “incrível” taxa de juro porque
a procura foi muito superior, porque se a procura tem ficado abaixo e não tem
havido leilão, levávamos outra vez com uma taxa de 10%. É esta a confiança que
os divinos “mercados” têm na nossa economia e na bonomia do nosso “desgraçado
governo da nossa desgraça”.
E mais sublinho, mesmo assim, atingem 5,11%. Sabem porquê?
Porque o BCE tem a rede metida nos mercados secundários. Porque senão… Ora, se
o BCE garante, como é que um empréstimo a 10 anos, com juros batidos a 5,11%, não
há-de tornar-se um bom investimento? Ganham 5,11% sem mexer uma palha. E ainda
se garante que, aconteça o que acontecer, recebem sempre. Ainda dizem que isto
se deve à desconstrução politica desta maralha a que chama governo português?
A verdade em Inglês, a mentira e Português
Paulo Portas, na sua tradicional capacidade para prometer o
que não cumpre ou o que apenas pode cumprir em muito pequena escala, veio dizer
que, em 2015, face aos sucessos alcançados, é natural – natural, vejam só – que
se possa aliviar a conta do IRS cobrado ás famílias.
É assim: em Junho do ano passado, estava irrevogavelmente
para se ir embora; em Dezembro de 2013, o país estava à beira da banca rota e
até se falava em 2.º resgate como forma de pressionar o TC; em Fevereiro de
2014, já se pode baixar o IRS a curto prazo. Típico deste governo. O que diz
hoje, não repete amanhã e o que faz agora, desfaz mais logo. A eterna convulsão
de um governo em estado de fragmentação, apenas agregado por uma cintura de
interesses económicos que, em nada, confluem com os interesses do país e do
povo Português.
Claro que, a ministra das Finanças – qual Gaspar com menos
olheiras e de sexo diferente – se apressou, ainda ontem, em inglês para ninguém
perceber, que não se julgue que a austeridade vai acabar, porque não vai! Ainda
faltam muitos, muitos anos! Já não será no nosso tempo?
Nem um jornaleiro ouvi, questionar o Portas e o Coelho, sobre
que raio de contradição é esta. Nem um. Então em Português, diz o governo que
isto vai aliviar, em Inglês, o mesmo governo diz que isto vai continuar a
apertar. Ele diz que sim, ela diz que “No”.
Esta realidade só pode ter duas leituras: uma, a de que o
governo não se governa a si próprio, e cada um diz o que lhe apetece e o que
lhe parece que é o melhor para si próprio e para o seu projecto político; duas,
a de que o governo tem um discurso para dentro e outro para fora; para fora diz
a verdade e para dentro a mentira. Admirados?
Ora, as duas são verdade. Portas, quer voltar ao poleiro em
2015 e por isso faz uma promessa pré-eleitoral. A ministra quer ter duas
alternativas de carreira: a primeira, manter-se no poleiro em 2015 e por isso,
só diz a verdade em Bruxelas e mesmo lá, em Inglês; a segunda, a ministra quer
ter alternativas profissionais para o caso de o poleiro falhar e, assim, sabe
que se defender um discurso austeritário, ultra liberal e financeirista, terá
as portas abertas no BCE, FMI, Banco Mundial… Eis a explicação.
E porquê a almofada?
Isto leva-nos à existência da almofada. É que o governo, ao
contrário do que Passos sempre disse – para variar – está preocupado com o
efeito eleitoral das suas medidas ultra liberais. Então concebeu um plano relâmpago,
numa lógica de Blitzkrieg:
- Sair em Junho do programa de assistência à Irlandesa sem qualquer apoio cautelar (leia-se segundo resgate, seja o da troika, seja o do BCE).
Esta saída permitirá ao governo dizer: - Vêem
Portugueses? O governo prometeu que iríamos seguir no bom caminho. A prova é
que acabámos o programa no prazo acordado e não precisamos de ajuda de ninguém.
Fantástico não é?
Já estou a ouvir o coro de loas tecidas pelos seguidistas do
costume, que obrigar-me-ão a desligar a televisão sempre que a ligar, para não
ter de a partir.
- Em 2015, diminui o IRS, aumenta as reformas e os funcionários públicos.
Esta medida colocará o coro de anjinhos laranjas (há uma
empresa que trabalha com o governo no caso das start-ups que se chama “business
angels”) a dizer: - Agora é que isto vai para a frente, este governo
recuperou o país!
Será uma infindável festança, dias e noites a fio de auto
regozijo, de Carnaval político e de embriaguez eleitoral que durará até ao verão.
Claro que, para que isto suceda é preciso uma almofada que
permita ao governo estar cerca de um ano e meio após a saída do programa da troika,
sem ter necessidade de ir aos mercados. Tudo para não estar sujeito a possíveis
convulsões e ataques especulativos numa fase de fragilidade financeira. Daí a
necessidade da constituição de almofada.
A que custo?
Esta cambada de suínos, javardolas e irresponsáveis,
sedentos de poder, sangue e dinheiro, retirados do filme italiano “feios,
porcos e maus”, só com diferença para o primeiro atributo, o que faria fazer um
filme novo chamado “bonitos, porcos e aldrabões”, só para ganharem as eleições
vão colocar o país numa situação ainda mais insustentável?
Vão! Tudo pelo seu ego narcisista. Esta récua malcheirosa vai
sujeitar-nos aos seguintes danos potenciais e reais:
- Pagar juros elevadíssimos (5,11%) para criar uma almofada que ajude a criar a inclusão de estabilidade. Ora, os 5,11% são insustentáveis. Para saberem da insustentabilidade de um juro basta pensarmos assim: Se os juros se situarem acima da taxa de crescimento real da economia, são insustentáveis. Agora percebem como é que a divida está sempre a crescer, mesmo com os cortes todos;
- Aumentar a divida pública, o que sujeitará o mercado bancário ao pagamento de juros mais elevados sempre que se pretender financiar nos mercados;
- Aumentar os impostos e reduzir as despesas sociais para ter de pagar os juros e a divida acrescida, uma vez que a economia não crescerá o suficiente para, só por si, provocar um aumento da receita do estado, de forma a permitir o reembolso da divida;
E a pior
- Se passado 2015 e, após as eleições, o governo ganhador tiver de ir aos mercados e os juros começarem a subir outra vez (ou basta manterem-se a 5,11%), lá vai o país ter de recorrer outra vez ao FMI e à troika só que desta vez em condições ainda mais frágeis do que esta em que ainda estamos.
Nessa altura já não haverão privatizações porque estes
cavalos já venderam tudo ao desbarato aos amigos costumeiros. É esta a
gravidade da nossa situação. É esta a situação em que nos colocam governos
sucessivos de irresponsáveis doentes pelo poder.
E o PS?
Depois vem a caricatura do PS. O partido que mais tem traído
o seu eleitorado.
- Seguro nãos e insurge contra as privatizações
- Seguro não se insurge contra as novas PPP que aí vêm para a ferrovia
- Seguro não promove tribunais próprios para as empresas estrangeiras, tentando assim criar um estado dentro de um estado
- Seguro não tem estratégia para o país
O PS é um partido, hoje em dia (sucede com todos os partidos
trabalhistas e socialistas da Europa), sem espaço político. Ao trair o seu
eleitorado em benefício da ideologia neo-liberal, hipotecou as expectativas dos
social-democratas e dos “apelidados” socialistas moderados. O PS defraudou
todos os que pensavam ser possível domesticar o capital financeiro.
Apelidando outros de radicais, extremistas e sectários, o PS
desradicalizou-se e perdeu-se na bruma do cinzentismo politico, na névoa criada
por aqueles que dizem que “não há esquerda nem direita”, que a ideologia é
coisa do passado e que o tempo não é de “luta de classes”. Ao fazê-lo, o PS
tornou-se, no essencial, mais um partido de sistema, um partido de rotação e de
aparência democrática. O PS passou a fazer parte da farsa que é criada para fazer
parecer ao povo que as alternativas existem, sem existirem, porque quem ganha,
PS ou PSD, quem manda continua a mandar e quem tem continua a ter e quem perde
continua a perder.
O risco desta amálgama de indiferença, de politica
indistinta, de posicionamentos caracterizados pelo salamaleque daquele que se
considera igual, de amiguismos e falsos consensos, é enorme. É o risco de não
termos futuro. É o risco de esquecermos o passado como referência do que não
deveria de voltar a ser.
Só em nós, tu, ele, vós, eles, está a força de poder mudar
isto. Estão preparados?
Espero que sim, mas acho que não!