Portugal está a evoluir!



Tempos houveram, não muito longínquos, em que o orgulho e o ex-libris do consumismo nacional se situava na praça do comércio. Patrocinada pelo BCP, SIC e outros ícones do nacional ilusionismo mercantilista, a árvore de Natal que se situava na praça do comércio e agora no parque Eduardo VII, era uma das maiores do mundo. O que interessa isso? Interessa e muito! A importância desse hodierno monumento é muito maior do que os seus largos centímetros de altura fariam antever.

Se a árvore de natal algum significado tem, não é, com certeza, o da necessidade de protecção e admiração pelas árvores nossas amigas, ou pela natureza em geral. Muito pelo contrário, como o provaram os emissários deste sistema económico feudal em que vivemos na recente conferência de Copenhaga. Esses senhores governantes, pretensamente eleitos e representantes da humanidade que os elege, principalmente aqueles que maiores responsabilidades têm no processo (alegadamente os do ocidente, terra da “democracia”) agiram, não nos superiores interesses de quem os elege, mas nos ainda mais superiores interesses de quem não os elegendo, neles deposita a confiança para a manutenção de um determinado status quo avesso à nossa sobrevivência. A partir do momento em que se deixou entrar o dinheiro na democracia, passamos a ter uma capitalocracia, ou seja, quanto mais dinheiro se tem, mais se manda, nem que isso leve à condenação do planeta e de todas as formas de vida, incluindo as suas.

Não! O significado da utilização do pinheiro como árvore de natal, nada tem a ver com isto. O seu significado, para além de questões meramente estéticas despidas de conteúdo, como tudo neste mundo de espelhos disformes, é o da ilusão de que no natal todos podem ter tudo. No natal todos podem sonhar em ter tudo. No natal os sonhos podem tornar-se realidade, podem materializar-se. Neste natal, ilusionista e mercantilista, há muito que valores simbólicos como o amor pelo próximo, a necessidade de nos preocuparmos com os outros ou a necessidade de vivermos todos em comunhão, em família, passaram à história. Hoje em dia, na sociedade pós industrial, o natal representa algo muito mais palpável. Representa o materialismo bacoco dos nossos tempos. No Natal há dinheiro para comprar, o pior vem depois.

Se há algo que podemos comparar ao tamanho das árvores de Natal, é a dimensão da ilusão da posse. Os países que maiores árvores de Natal têm são o Brasil (84 metros) e o México (90 metros). Emblemático, não?

Nos tempos que correm, a ilusão portuguesa só chega para 44 metrozitos de sonho. Se isto reflecte que estamos menos sonhadores que os brasileiros e os mexicanos, então, algo está a mudar e para melhor. Veremos no futuro.

Então mas porque é que no Brasil e no México, em tempos de aguda crise mercantilista, a ilusão da posse continua a ser tão grande? Querem que vos diga? Eu digo. Porque nesses países, onde a pobreza é tanta, onde a distribuição da riqueza é tão injusta, só lhes resta mesmo a ilusão de que um dia poderão ter algo. E como há uma grande percentagem da população com essa ilusão, as árvores são enormes. O tamanho da árvore é directamente proporcional à distância entre o que a população tem e o que queria ter. Isto é como a fonte dos desejos, quanto maior a moeda, maior o desejo, maior o prejuízo, menor a recompensa. É o sonho antes de acordar. Esses países ainda não acordaram.

Aliás, esta proporcionalidade ilusória funciona assim para tudo o resto. No fundo, a dimensão da árvore reflecte a desproporcionalidade entre o querer ter e o nunca vir a ter. E como essa desproporcionalidade é inultrapassável nas condições sistémicas actuais, a árvore não representa mais do que o tamanho da ilusão. Esta ilusão é, também ela, transportável para outros aspectos das nossas vidas:

• Um tipo pequenote, como os emigrantes portugas dos anos 60 e 70, que chegavam a França, ou outro país qualquer, e a primeira coisa que faziam era comprar um carro enorme. Lá está, o tamanho do carro representa a dimensão da desproporção entre a altura que se tem e aquela que se queria ter. Lá dentro, a ilusão de que se é grande é enorme, desde que só se olhe para fora e para os outros. Se o fulano olhar para dentro do carro, fica ainda mais frustrado.

• Um velho que arranja uma miúda nova. Nada melhor. A diferença de idades representa a diferença entre a idade que se tem e a que se queria ter. Quanto mais velho, mais nova a rapariga. Depois, andam tanto, que chegam a pedófilos.

• Uma velha que faz plásticas para parecer mais nova. Esta é a que eu chamo de ilusão inversa, ou melhor, a ilusão pura. É que, normalmente, devido ao ridículo do exagero, quanto mais plásticas fazem, mais inverso é o efeito. Quanto mais novas querem parecer, mais velhas ficam. A diferença entre o que são e o que tentaram ser, representa o tamanho da frustração a que chegaram. Vejam os exemplos da nossa praça (Lili Caneças, Moura Guedes…), tenho razão ou não?

• Aqueles tipos, para os quais já não havia massa encefálica que chegasse, por razões de mercado, a que nem a ilusão compensou. Esses tipos apostam tudo na aparência. É o ferro, os cremes, as vitaminas, os perfumes, o bronze e as tatoos. O impacto visual da aparência que possuem é inversamente proporcional à sua destreza intelectual. Quanto mais bonitos…mais burros. Contudo, podem sempre ter a ilusão de que são espertos…só espertos.

Mais exemplos haveriam que nos fazem levar à letra aquela máxima de que “o Natal é quando um homem quiser”. Há aqui qualquer coisa de machista, não acham? Deve ser por o Natal ter inspiração católica.

Aliás, mais ilusória que a figura do pai natal não existe. Um velhote de uma terra longínqua que traz prendas a todos os meninos, e entrega-as pelo buraco de uma chaminé e ainda por cima o tipo é gordo. Nada mais ilusório, não acham?
• Neste sistema em que vivemos, algo que aprendemos, muito duramente, desde pequenos é que nada é de graça. Mesmo que os nossos pais se matem a trabalhar para trazer um salário miserável, e para que possam proporcionar a quem os explora, o tal BMW que os faz sentir-se grandes, mesmo assim, nada é de graça. Logo, a figura do pai natal, o tal que dá prendas aos meninos que se portam bem, é para lá de ilusória, chega mesmo a ser sádica.

• Depois, pensando bem, o facto de ele trazer as prendas pela chaminé também tem algo de ilusório. É que a maioria das casas nem chaminé tem, pelo menos, uma chaminé em que ele possa entrar sem ficar triturado pelas ventoinhas dos exaustores ou assado pelas lareiras com recuperadores de calor. Logo, esta história, só pode estar mal contada. Isto não é ilusão, isto é desonestidade intelectual.

• Depois, quem inventa o pai natal é precisamente quem mais simboliza os pilares de um sistema que cedo os impõe a máxima de que nada é de graça. A Coca-Cola, um dos símbolos máximos do capitalismo. Ora, uma multinacional que subsiste através da exploração da mão-de-obra humana, que tudo nos faz pagar e que é o exemplo acabado do espírito mercantilista consumista que nos querem impor, vem criar a figura do pai natal, isto é violência moral. Os que nos tiram querem vir fazer crer que há alguém que nos dá? Ainda por cima gozam connosco, com a nossa miséria. Isto não há direito!

Mas, esta figura do pai natal é sem dúvida o exemplo mais emblemático e concreto da ilusão que quem mexe os cordelinhos deste sistema, nos quer criar. No fundo, quem manda nisto tudo, também quer fazer parecer que é uma coisa que não é. Por exemplo:
• Querem fazer crer que são democratas. Criam eleições fantasma, com partidos fantasma, e qualquer dia, como isto anda, até os eleitores passam a ser fantasmas. Já que, começa toda a gente a desacreditar nesta coisa. Aliás, já não falta muito, julgo que nas Honduras, por exemplo, para que os gorilas fantoches tenham ganho as eleições (com 70% de abstenção), devem ter votado os mortos…de morto a fantasma…

• Querem fazer parecer que são caridosos. Mostram o pai natal, mostram aquelas instituições de caridade que financiam e escondem as crianças indianas, vietnamitas, chinesas e outras que exploram, sem dó nem piedade, por um dólar diário, para poderem comprar mais uns aviões, uns ministros, secretários de estado e mercadorias desse tipo (alguns até compram caixas de robalos).

• Querem fazer crer que são a favor da paz e depois invadem o Iraque, o Afeganistão, a Palestina….não foi invadida? Pois não, mas parece.

Pois é, criam-nos esta ilusão, que no fundo resulta da natureza do próprio sistema. As coisas “são o que parecem e não o que são”. Só interessa o que parece, não o que é. Desta forma, o Natal até pode fazer parecer que pelo menos uma vez por ano todos podem ter, comprar ou fazer o que querem. Pelo menos uma vez por ano somos todos solidários, fraternos, respeitadores, caridosos. Isto é uma espécie dos 5 minutos de fama a que cada um tem direito na sua vida, como dizia Andy Warhol. Só que…nem eu tive ainda os meus 5 minutos, nem no Natal somos aquelas coisas todas, porque apenas se cria a ilusão de que o somos. Quais são as possibilidades de um brasileiro ou mexicano médio de ser caridoso? De ser solidário? De ser fraterno? Nem consigo próprio. A única coisa que pode fazer por si ou pelos demais é ter pena, ou então…rezar. Também dizem que resulta, é como o pai natal!

Contudo, isto está tudo muito bem montado, porque até esses pensam que podem ter e ser tudo isso, mas só no Natal. Aliás, esta ideia de criar-se um dia por ano para se ser tudo isso, foi sem dúvida uma grande ideia de quem manda nisto tudo. Assim, podemos ser o contrário disso tudo no resto do ano, com a desculpa de que não é natal.

• Não demos passagem a um peão numa passadeira. Não faz mal, não é Natal.

• Não demos prioridade a uma grávida numa fila. Não faz mal, não é Natal.

• Não dissemos obrigado a quem nos fez um favor. Não faz mal, não é Natal.

• Passámos à frente de toda a gente numa fila de trânsito. Não faz mal, não é Natal.


Estão a ver…Isto assim é fantástico. Como o Natal é só uma vez por ano…E até é no final do ano. E de propósito, é que assim, quando passamos para o ano seguinte, sempre podemos dizer, que o ano anterior acabou bem, logo o que chega também começa bem.

Como são boas as histórias do faz de conta que nos contam em crianças…
Também nos contam em adultos? Ah! Pois é.
Como também estou corrompido…
Bom Natal e Feliz ano novo, não é nem um pouquinho do tudo o que vos posso desejar, mas, por agora chega.

Hugo Dionísio

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