A Roletização do mundo


A partir do momento em que as bolsas entraram nas nossas vidas, nos nossos países, nas nossas casas e nas nossas empresa, todo o mundo se transformou numa enorme roleta. Uma roleta gigante, da qual o sistema financeiro é o pilar, fazendo todo o mundo rolar de acordo com a sua sorte.


Nesta roleta gigante, todos esperam que a bola algum dia acerte, ou caia em cima do número em que cada um de nós se tornou, transformou ou em que nos transformaram. Quando a bola nos cai em cima, fantástico, somos uns privilegiados, mais um dos cada vez menos numerosos privilegiados, que tiveram a sorte (ou o azar?) de deixarem de ser um mero número para a estatística. Enfim, é com esta ínfima possibilidade de a bola nos cair em cima que o sistema financeiro, que (des)regula o mundo, joga. É com a possibilidade sonhada, com a possibilidade da ilusão de uma dia também passarmos para o lado de lá, que o sistema nos compra e confunde. É assim que nos anestesiam.

Como em qualquer jogo de azar, a sorte é uma possibilidade remota, ínfima mas probabilística, e sendo probabilista, pode calhar a qualquer um. Contudo, neste jogo da roleta global, em que globalização financeira da economia nos transformou, as regras não são bem as de um jogo de azar normal. Neste jogo, a sorte calha sempre aos mesmos e o azar também. A única semelhança com os demais jogos que conhecemos é que este também só reverte a favor de uma meia dúzia.

Assim, transformaram este planeta num casino multinacional, onde a casa ganha sempre e os jackpots não existem, simplesmente, porque os prémios também não. Fazendo-nos crer que as regras são as da democracia, as da igualdade e as da liberdade, chegamos a pensar que um simples mortal numerado, também pode aceder às colunas do Olimpo. Mas não! Neste casino, as máquinas estão todas viciadas pela corrupção, pelo tráfico de influências, pelo favorecimento, pela clientela ou mais sofisticadamente falado, pelo lobbying. Os esquemas de vício são cada vez mais descarados, cada vez mais às claras, pois, para estes prevaricadores, não há penas, multas, coimas ou sanções de qualquer espécie. Não são eles que jogam, eles fazem jogar. E nós também não jogamos, nós somos apenas os joguetes. Então quem joga? Ninguém! Ninguém joga? Não! Pois se alguém jogasse, esse alguém, algum dia, por tão pura e simples ganância quanto a dos que mandam jogar, poderia, a qualquer altura do jogo, questionar a justeza das regras do jogo, a justeza dos prémios, a justeza das variáveis envolvidas. Assim, este jogo joga sozinho e reverte sempre, mas sempre, a favor da casa.


Tal como na roleta o prémio não calha aos números onde a bola cai, também nesta roleta global não é a nós que cabe o prémio, nós somos apenas os números. A nós só nos calha o esforço e o sacrifício para que o jogo aconteça. Quando muito, para nós este é um jogo onde, para participarmos nele, nem que seja como números ou joguetes, temos de pagar, sem que nos possa calhar qualquer coisa. Quando muito, somos como os empregados dos casinos, controlam o jogo, mas o prémio não lhes calha. Só que estes recebem ordenado, nós também. Recebemos um pequeno valor em troca do sacrifício de fazer o jogo funcionar, esse pagamento, nada comparável ao que produzimos, também não é para nós, é para as despesas do jogo. Somos nós que pagamos a infra-estrutura, somos nós que pagamos o combustível que faz andar a roleta, mas, como qualquer besta de carga que faz andar uma mó de um moinho, também não é a ela que cabe o pão, apenas recebe o indispensável, para continuar a conseguir colocar a mó a rodar.


Afinal, para além de números parece que somos umas bestas. Pois somos vítimas de tudo isto e, muitas vezes, não nos damos conta. Até quando vamos aguentar a regras deste jogo? Quando é que inverteremos as regras deste jogo?


Para que a bolsa funcione, qual pilar gigante de uma roleta maior, as empresas têm de ser volúveis e flexíveis, e como as empresas são constituídas por pessoas, também nós temos que ter vidas volúveis e flexíveis. Tudo o que possuímos passa a ser tão efémero quanto a estabilidade de uma acção na bolsa. Qualquer boato, qualquer rumor pode ter consequências nefastas nas nossas vidas. Tal é a ligação do sistema económico ao sistema financeiro, que, não é a economia que é o instrumento, somos nós o instrumento do sistema financeiro. Uma acção baixa na bolsa e vão milhares para o desemprego, simplesmente porque a acção tem de subir, para que quem manda no jogo, ganhe o prémio. Muito justo, este jogo. Será que aquela que diz ser a civilização mais evoluída da história da humanidade, pode ser governada por princípios tão bárbaros quanto a ganância, o egoísmo, o egocentrismo e vício? Será isto o princípio do fim da civilização ocidental? A tal que se baseava na democracia, na liberdade, na tolerância? Ainda acreditam que um mundo que se move ao ritmo do sistema financeiro é um mundo justo?


Mudemos a música que este disco está riscado…


Hugo Dionísio

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