O leilão
No outro dia, berrava a tóxica televisão nacional que a operação de leilão de dívida pública Portuguesa tinha sido um sucesso. Afinal, a procura tinha sido tão elevada que o Governo decidiu aumentar, em mais 500.000.000 de Euros, a oferta de venda. Depois disseram, que afinal, nem tinha sido necessário leiloar, pois a divida havia sido vendida a um sindicato bancário. Por fim, depois de orgasmos intelectuais, regozijos, gritos histéricos de prazer e espasmos com origem na prol económico-financeiro-contabilistica convidada para comentar a operação, lá veio o senão, numa pequena notinha final, muito envergonhadinha, por parte da jornalista que forçosa ou forçadamente não queria estragar o prazer colectivo registado. Afinal, através de rápidas palavras de anúncio de financiamento, por entre a bruma, o fumo e o ruído imperceptível da informação subliminar, consegui registar que a dívida havia sido vendida por uma taxa de juro algo elevada. Ninguém disse, contudo, quão elevada seria essa taxa.
Claro que faltava o sinal de Perigo de Intoxicação Intelectual (PII) que deveria estar presente em cada Noticiário da comunicação social corporativa nacional.
Mais tarde, encontrei uma referência a essa taxa de juro. Essa taxa foi de 6,5%. Se aparecerem ao pé de quem tem dinheiro e lhe disserem que podem ganhar 6,5% ao ano, com a compra de dívida e nem têm de ir ao mercado, pois se forem arriscam-se a perder a hipótese de a comprar, quem irá recusar uma oferta dessas? Mais ainda, quando esse consórcio bancário, o mais certo é ir buscar o dinheiro ao BCE a 1% ao ano. Já viram se isto funcionasse para qualquer cidadão? De certeza que todos nós estaríamos interessados nesse óptimo negócio. Pedíamos 100 Milhões e ao fim do ano tínhamos certos 5,5 milhões para nós. É fácil enriquecer não e? Experimentem fazê-lo. Depois falamos.
Na notícia em que se falava dos tais 6,5% de taxa de juro, apontava-se esta taxa como baixa, pois o jornalista reportava uma operação recente de venda de dívida a médio e longo prazos, do estado Português, em que o juro chegou aos 7,65% e mesmo assim não a venderam toda. Venderam 30% a longo e 60% a médio prazo. Engraçado, não se dizia qual o montante de dívida a vender. Como podem ver, afinal o negócio ainda pode ser mais rentável, não tão certo como o anterior, mas mais rentável.
O problema é que após os orgasmos e espasmos da primeira notícia, surgiram as convulsões, choros, baba e ranho da mesma troope económico-financeiro-contabilistica. Portugal, Irlanda e Grécia estão a ser alvos da especulação dos “mercados”, estão a ser alvo do alarmismo e dramatismo das “agências de rating” e da desconfiança descontrolada e aleatória dos “investidores”.
Entraram em paranóia e depressão colectiva. De certeza que a venda de Pozac aumentou bastante nestes dias. Mas não foi para eles. Pois, esses seres desprezivelmente rastejantes logo começaram a falar das suas receitas infalíveis:
- Baixar os salários
- Baixar o valor das indemnizações
- Flexibilizar os despedimentos
- Descaracterizar o Código Laboral e pô-lo a proteger as empresas em vez de proteger os trabalhadores
- Baixar os impostos à banca e às empresas (ouviram aquela dos 1,4 mil milhões de lucro da banca suportados por um decréscimos de 56% no montante de IRS a pagar?)
- Dar porrada nos funcionários públicos
- Privatizar a saúde e a educação e todas as empresas lucrativas do estado
Tudo receitas que nós já conhecemos, experimentámos e…não gostámos.
A verdade é que nenhuma tem funcionado, cada vez há mais dívida para vender porque o estado já não tem as enormes receitas das empresas privatizadas (dos 350 milhões de Euros recolhidos em impostos em Janeiro, 90% foram de IRS e IVA) e cada vez mais tem de cobrar essa receita a quem não a pode pagar. Afinal, se um “investidor” pode comprar dívida Alemã a 5,7%, porque haverá de comparar Portuguesa a 6 ou a 7%?
Pois é, as receitas são sempre as mesmas e ouvimos sempre a mesma lenga lenga do Sócrates, Coelho e a seu exército de paus mandados:
- O estado não tem receita, é preciso cortar, é preciso acabar com isto e com aquilo, sem o dinheiro não há estado social….Verdade, Verdade, Verdade. Querem saber a receita?
- Aumentem o IRC dos Bancos e das Grandes empresas (não eles não fogem para lado nenhum, porque não querem perder o mercado, isso é conversa)
- Tributem as operações em Bolsa, todas elas e não apenas as dos investidores individuais (estou a falar das SGPS e estrangeiros que ficaram de fora e são os maiores)
- Acabem com as concessões que garantem receitas mesmo que estas não existam
- Combatam a evasão fiscal, não apenas a actual, mas a passada (este anos vai baixar enormemente o valor gasto com a Inspecção das Finanças…)
Poderia continuar, serenamente a enumerar medidas que sabemos resultarem, trazerem mas justiça social, precisamente porque são injustas e resultados de férias, jantaradas e demais presentes que ou pagam riquezas ou ricas campanhas eleitorais. Depois…quem regula quem?
Mas o que mais me revolta ainda é que, esta tropa fandanga (como dizia a minha Avó), ainda não falou disto:
- Acabar com os off-shores e com os paraísos fiscais, para os capitais não fugirem e causarem evasão fiscal que depois vai sobrecarregar a classe média (já ouviram o Sócrates defender isto no Conselho Europeu perante do Durão Barroso?)
- Acabar com a vergonha de o BCE emprestar dinheiro aos “Investidores” a 1% para depois estes lucrarem à nossa conta, comprando a dívida a 6, 7 ou 8% (já ouviram o Teixeira dos Santos insurgir-se contra isto?)
- Acabar com as agências de Rating, corporações privadas americanas, detidas por especuladores, que, com se sabe atacam tudo o que mexa e como na lei da selva, atacam primeiro os mais fracos (já ouviram alguém falar disto?)
Poderia continuar, mas, meus caros, para as costumeiras medidas da ordem é preciso lata e vergonha, para estas últimas é preciso Moral e coragem. É preciso não querer pactuar com a exploração e com a injustiça. É uma vergonha, que em toda a Europa, nenhum Governante fale disto. Governantes eleitos, com os nossos votos, dizendo que iriam resolver os nossos problemas. O conforto que atingimos tem de se elevar através da repartição da riqueza e não através da exploração dos mais pobres, sejam pessoas, sejam países.
Já chega de conversa fiada.