Pílula contra-esquecimento.
Este mês inicia-se com a resposta a mais uma demanda desse poder unilateral, parcial e inatingível pela via da democracia, que é o da a Comissão Europeia, o "dos mercados" e o do BCE. A tão aclamada revisão da legislação laboral!
Poderia aqui contar a história do Direito Laboral, escrita a sangue, suor e lágrimas. Poderia aqui falar das lutas, das privações e das perseguições daqueles que, em tempos não muitos distantes (nos ventos de omega um século é um segundo) lograram oferecer a sua vida, conforto e saúde à batalha pelo reconhecimento do ser humano que o trabalhador constitui.
Tempos houve em que não havia direito do trabalho, tempos houve em que as leis escritas por quem governa e domina permaneciam mudas, quando se tratava de restringir a autonomia privada individual de quem retira a mais valia, daquele que trabalhando para viver, morre a trabalhar.
Entre esse século liberal, o século XIX, durante o qual o obscurantismo burguês-monetarista sucedeu ao iluminismo e humanismo renascentista, e o nosso século XXI (repararam na curiosidade da coincidência na grafia numérica romana?), mediou o século XX, um século de progresso e conquista social. Ao humanismo do século XX, durante o qual, mais uma vez, o iluminismo revolucionário derrotou o obscurantismo fascista resultante do liberalismo, sucede o neo-liberalismo financista e alto-burguês do século XXI. E o que temos em comum?
O que temos em comum é a filosofia de que o respeito pelo ser humano não deve constituir obstáculo pronunciado à constituição e acumulação da riqueza. Se no século XIX, o capitalismo não queria a consagração do Direito Laboral, no século XXI, esse mesmo capitalismo quer o fim do mesmo.
O primeiro passo para o seu final é filosófico e já foi dado pelos governos ocidentais, aqueles que no século XX foram obrigados, pela força (nunca esquecer isto!), a consagrar o direito do trabalhador a ser tratado como um homem e não como uma máquina. Que passo foi esse?
É do passo da subversão que falo. O Direito Laboral nasceu de parto forçado para proteger os trabalhadores, da cegueira gananciosa provocada pela sede, nunca saciada, do lucro. Não nasceu para facilitar, nem a exploração dos patrões, nem a insaciável fome de ouro dos mercados. Foi, precisamente para as travar, para as dominar.
O que é que sucede quando se revê a lei laboral para responder à ansiedade dos mercados, dos patrões, do BCE, do FMI e da CE? O que é que sucede quando se coloca o lápis verde monetarista a censurar as letras timbradas à força de um código laboral?
Pedir que um código do trabalho proteja o capital e a economia é o mesmo que pedir a um código penal que proteja o criminoso. É o mesmo que pedir a uma lei fiscal que proteja quem não paga impostos. É o mesmo que pedir a um Código Civil que proteja os desordeiros e os vigaristas. Eu sei...Eu sei...
O que é que acontece quando um Código Laboral, pede a um trabalhador que pague, ele próprio, um seguro que garanta o pagamento da sua própria indemnização, penalização aplicável ao patrão, por despedir esse mesmo trabalhador? Onde chegará o insulto ao estado de direito? Pedir à vitima que pague a pena?
Atropelamos alguém e ele é que tem de possuir o seguro contra danos pessoais? Alguém rouba o nosso carro e nós é que temos de ter um seguro para o ter de volta, senão vamos presos? Matamos alguém e o familiar do morto é que vai preso? Ou...até, o próprio morto?!?!
Será uma sociedade engraçada esta, a que nos estão a preparar!
O exercício dos nossos direitos e deveres, como cidadãos, como trabalhadores, como seres humanos, é a melhor forma de respeitarmos e perpetuarmos a memória daqueles que, de forma inverossímilmente altruísta (aqueles que por não sermos como eles nos é mais fácil apelidarmos de oportunistas, radicais, conflituosos... só para ser simpático...) contribuiriam com grande sacrifico pessoal para termos e sermos o que somos e temos hoje. A liberdade de escrever este texto, por exemplo.
Quem não conhece o seu passado, não compreende o presente e não tem futuro!
Hugo Dionísio
1 comentários:
Concordo em absoluto com o autor.
A revisão "civilista" da legislação laboral colocou em equiparação o que não é comparável. Em rigor o empregador e o trabalhador não estabelecem entre si um contrato em que cada uma das partes dispõe das mesmas premissas. Todos nós pudemos verificar que a "urgência" da alteração legislativa não proporcionou, como alguns anunciavam, um revigoramento do funcionamento dos mercados.
Tudo o que fazemos tem, sempre, consequências e essas, eclodirão um dia destes com resultados imprevisíveis.
As pessoas começam a ficar encurraladas e sem soluções e irão reagir, naturalmente, como um animal acossado e sem saída.
Espero que não!
DL
Enviar um comentário