Testemunhos
caóticos - Apocalipse
Imaginem
um mundo pré apocalíptico. Um mundo que nos é apresentado, repetida e
espectacularmente, pela industria cinematográfica (ou será antes
“tecnográfica”) americana. Um mundo de trevas, violência, perseguições, vivências
kafkianas e de domínio absoluto de uma meia dúzia de seres humanos, sobre toda
a humanidade.
Quem
já não viu filmes assim? Mesmo os que, como eu, não se encontram entre os
aficionados pela industria de entretenimento “tecnológica” já, em algum tempo,
tropeçaram em filmes como o “Minority Report”, “Matrix” ou outros que tais.
Todos
esses filmes passam uma mensagem tão corriqueira quanto preocupante. Uma
mensagem que nos transmite a ideia de que, algures num futuro mais ou menos
longínquo, o mundo que conhecemos será governado por poderes tão absolutos que
tornam o comum dos mortais em simples seres letárgicos, acríticos, incapazes de
reagir e totalmente submissos ao poder vigente. Os seres humanos que persistem
na luta pela liberdade, continuam a existir, como minoria e são inevitavelmente
perseguidos.
Este
tipo de visões, tão comuns no célebre 1984 de Orwell e correspondentes a uma
realidade que muitos jornalistas, críticos e políticos ultra liberais continuam
a subsumir apenas ao antigo Bloco de Leste, serão apenas visões, realidades ou
possibilidades que não passam de remotas? De imaginárias?
Então, eu peço-vos uma coisa muito simples: dispam-se da
realidade que vos circunda e, ao invés de olharem para as arvores que vos
sombreiam a vida, tentem olhar para a totalidade da floresta em que consiste a
realidade humana actual. Dispam-se da tendência de olharmos para os factos como
sendo isolados (o que dá muito jeito a alguma gente) e integrem-nos numa
realidade dialéctica, histórica e dinâmica. Integrem-nos uns nos outros e
analisem a realidade a partir dessa interacção. Vejam como tudo se torna
diferente.
Depois deste exercício, imaginem-se num mundo assombrado,
pesado, acinzentado, em que efémeras cores fugidias envergonhadamente assomam
mas que, inexoravelmente, não conseguem combater a sombra, atentem nos
seguintes factos:
- Em países como os Estados Unidos, Brasil, Colômbia, China, Índia, Africa do Sul, Rússia, Iraque, Argentina, entre outros, é crescente (e nada recente) a tendência para o isolamento das comunidades mais ricas. Cada vez mais, comunidades pertencentes à classe média alta e classes ricas, escolhem viver em guetos dourados, com todas as comodidades, isolados da pressão que a pobreza emana.
Minorias endinheiradas,
poderosas, com o poder politico dominado através da corrupção, do tráfico de
influências ou do desavergonhado lobbying, escolhem viver fechadas em guetos,
prescindido da liberdade de movimentos, da liberdade de se relacionarem com o
mundo, em troca, apenas e tão só, da sua estabilidade e conforto material.
Estamos a falar de uma tendência
que indicia o individualismo mais extremo. Que anuncia uma organização das
comunidades de forma anti-social. Que corporiza a ideia de que “com o mal dos
outros posso eu bem”. Uma ideia de organização individualista, anti-social que
compartimenta a sociedade em duas realidades, a boa e a má. Estamos a falar da
instalação de um apartheid a nível mundial. Que sucede, precisamente, nos
países mais ricos.
Os ricos escolhem criar um
apartheid para simplesmente não terem que dividir o bolo de riqueza com quem a
produz. Estamos a falar de um modelo de organização social, urbano e
comunitário, baseado na lógica da exploração. Os exploradores de um lado, os
explorados de outro. E isto nada tem de futurista, é apenas o retorno do
passado mais sombrio e mais humano da nossa história social. É o retorno,
disfarçado, eufemizado, dos palácios de um lado e das servidões do outro.
Imaginem, desta forma, um mundo
em que os ricos (actualmente 1% da população mundial controla 25% da riqueza),
para não terem que contribuir para o bem da sociedade, isolam-se e criam os
seus próprios guetos, de onde não podem sair, sob pena de serem vitimas de uma
violência, que a pobreza que impõem através da exploração, da ganância, da
desumanidade e da arrogância, cria.
Imaginem de um lado uma
comunidade com tudo e do outro lado do muro, uma sociedade sem nada. Sem os
mais básicos meios de subsistência e de organização social.
Não, não precisam de imaginar. A
paredes meias com a favela da Rocinha (500 mil habitantes) está um gueto de
ricos com 10.000 encarcerados na sua própria riqueza. Qual o crime que
cometeram os favelados? Apenas o de não nascerem ricos! E o que se passa em
Israel e a Palestina? E em Bagdad? E nos subúrbios americanos? E nas cidades
Chinesas?
Não…isto não acontece em filmes
apocalípticos de hollywood. Acontece na vida real. Acontece nos países mais
ricos. Como raio é que querem que eles se preocupem com a nossa pobreza em
Portugal? Se eles nem a sua própria combatem?
- Os americanos gastam, todos os anos 80 biliões de dólares sabem em quê? Em cidades subterrâneas com milhões de trabalhadores que só têm um objectivo. Vigiar-nos a todos. Desde o programa Prisma, ao programa Fairviewer, todos eles têm um objectivo, o de interferir ilegítima e ilegalmente, nas nossas vidas. Não, e não são só os EUA que o fazem. Todos os fazem.
Imaginem pois, um mundo onde todos nós estamos identificados
numa base de dados. Os nossos movimentos, as nossas estadias, as nossas compras
e as nossas relações pessoais, todo esse conjunto de interferências mesquinhas
integram uma base de dados. Com um objectivo…a nossa própria segurança?!?!?
E como é que o conseguem? Com a ajuda das maiores
corporações empresariais de comunicações. Muito simples, a NSA contrata uma
empresa americana de comunicações que, por sua vez, faz protocolos com empresas
nacionais. É um negócio secreto e altamente lucrativo. O que é que aqui temos?
Os maiores grupos económicos a fazerem negócio com os nossos
dados pessoais, supostamente para a nossa própria segurança. E mais grave, é
que, sendo para a nossa segurança, não existe qualquer escrutínio democrático
sobre estas actividades. Todas elas se passam debaixo dos nossos solos, debaixo
dos nossos queixos e ninguém pode desvendá-las, porque são secretas. Ora,
quando a segurança do povo passas a ser secreta, temos tudo dito.
Podem escolher as quer quiserem. Facebook, google, Linked
in, yahoo, todas elas vendem dados à NSA e a outras agências. Todas elas violam
a nossa privacidade.
A ideia que estas entidades sugadoras vendem é a de que a
Internet é um espaço de liberdade. O maior espaço de liberdade passou a ser,
por causa da ganância desenfreada destes grupos, o maior espaço de vigilância e
totalitarismo. Quem leu o 1984 de Orwell percebe, desde logo, que o autor não se
referia apenas ao bloco de leste. Referia-se, tão só, à tendência que os seres
humanos têm para dominar, para submeter e para controlar o mundo à sua volta.
- Os EUA, com o apoio de Israel (quem mais?) criaram um vírus informático (para ser mais preciso, um verme) o Stutnext, para atrasarem e obstaculizarem o programa nuclear Iraniano.
Estes senhores deram-se ao trabalho de contratarem uma
equipa de hackers que criaram um vírus específico para destruir as
centrifugadoras de urânio do Irão. Este vírus, absolutamente inofensivo para
qualquer computador, foi criado e testado nas centrais nucleares israelitas
(parecidas com as iranianas), para criar problemas, especificamente, ao
computador siemens XPTO que controla a central nuclear de Natanz.
Até que a Kaspersky (bielorusso – porque será que foram os
únicos?) – empresa de anti-virus – descobrisse a trama, já no irão se tinham
avariado várias centrifugadoras. Mesmos assim, os bielorussos ainda foram a
tempo.
Ora, se eles fazem isto para as centrais do Irão, o que
farão para o resto? Para a nossa vigilância, para o nosso controlo, para o
controlo dos mercados de capitais…
Guerras de máquinas? Guerras de robots? Também já não é do
futuro. Depois dos drones, a guerra tecnológica entrou num domínio muito mais
perigoso e insidioso – o domínio do virtual.
Com as grandes corporações da Internet todas feitas com o
capital ultra-liberal e imperialista, vejam o que é que se pode fazer circular
sem que ninguém perceba. Agora que a Internet chega a todo o lado e quem a
domina é o Império. Vejam o que nos espera. Soldados que nos entram pela porta
dentro e nós nem notamos.
4. Conclusão
Estes são apenas exemplos fragmentados de uma sociedade que
caminha para o nihilismo provocado pela mais selvática e animalesca ganância.
Uma sociedade deste tipo tende a tornar-se uma anti-sociedade. A sociedade
deixa de constituir uma agregação de
seres ligados por uma rede de inter-relações que lhes permite sobreviver e que
a todos interessa, para se tornar num mero agregado de comunidades
individualistas, narcisistas, exclusivistas e nada interessadas na protecção de
um suposto “bem comum” que a todos interessaria.
O mundo que o ultra-liberalismo imperialista nos propõe é um
mundo à imagem dos mercados. O inferno na terra. O retorno às leis da selva. O
retorno ao domínio do mais forte. A supressão da humanidade que está dentro de
nós pela nossa animalidade mais primordial. Sabem porque é que é assim?
Porque é a sociedade que nos torna mais humanos. É a
sociedade que nos impõe o civismo. Enquanto indivíduos, somos mais animais do
que humanos. É por isso que o mundo proposto pelo capital mais selvagem e
inculto (a cultura também nasce da sociedade) é um mundo em que o mais forte
esmaga o mais fraco. Em que as únicas relações de interdependência são as
relações de domínio, subserviência, servilismo e submissão. Ou isso, ou a
morte.
Nos mercados não há regras, é a liberdade absoluta
resultante em libertinagem. Nos mercados não há civismo, apenas a imposição de
uma desgraça irrecusável porque é a única coisa oferecida. Nos mercados não há
solidariedade, fraternidade ou compaixão, apenas a violência do pragmatismo
imposto pelo mais forte – eus sou mais forte, logo tu é mais fraco, submete-te
à miséria que te ofereço, ou esmago-te. Nos mercados não há amor, apenas
competição desenfreada, vida ou morte, matar ou morrer, crescer ou desaparecer.
Nos mercados não há democracia, apenas a tirania imposta por que domina a maior
parcela do bolo. Nos mercados não há redistribuição, só apropriação. Nos
mercados não há divisão, só exploração.
Depois disto, ainda pensam que não estamos a entrar num
mundo apolcalíptico que é necessário, urgentemente, derrubar? A revolução é uma
palavra perigosa? Perigosos são os mercados que não nos dão escolha.
A revolução permite-nos escolher o que pretendemos para nós
mesmos, por isso é que os grandes saltos sociais e humanos sempre foram
revolucionários.
Deixem-se com os mercados do situacionismo, do inanimismo,
da letargia e depois queixem-se um dia quando acordarem e repararem que nada
mais vos resta do que uma corrente, um chicote ou, com sorte, um caixão.
A realidade não para, ou avança, ou recua. Para onde a
querem levar? Para a frente? Então empurrem-na que ela não vai sozinha.