Alqueva. Água até mais não!
A pedido de muitas famílias cá vai. Pediram-me para falar do Alqueva, o que por si só não era muito fácil. Era um tema que não dominava e para o qual tinha de pesquisar. Foi isso que fiz e resultou isto.
A barragem do Alqueva foi construída como forma de responder a uma desertificação anunciada e até agora, irreversível, do interior alentejano. Com esta barragem, a maior da Europa, a agricultura voltaria às planícies alentejanas, para além das actividades turísticas que se desenvolveriam subsequentemente. Ah, sem contar com a electricidade produzida. Até agora, contudo, Alqueva permanece um oásis no meio do deserto. Mas ao contrário dos oásis dos desertos por esse mundo fora, este, não tem sido nada salvador.
Pode considerar-se que gera alucinações como os demais, mas são alucinações de outra ordem. Não são alucinações ou miragens com a água, são alucinações e miragens com o desenvolvimento que deveria ter vindo e nunca o encontrámos. Até agora, mera alucinação fantasmagórica de um desejo prosseguido, atendido e desperdiçado.
Parecia um conto de fadas, a solução era fatalmente certeira e não se admitiram, na nossa precária democracia económico-feudal, vozes contra, por mais avisadas e coerentes que fossem. Como em muitas outras coisas, confundiu-se o velho do Restelo com o cientista, confundiu-se o preconceito com a sabedoria, confundiu-se o conservadorismo com o desenvolvimento sustentado e sustentável.
A teimosia continuou e o projecto chegou ao fim. Mais uma vez, este país, centralista e de governo central e centralizado, meteu água, muita água, a maior quantidade de àgua da Europa (já podemos dizer que somos os maiores nalguma coisa!). E o que sobrou dessa água toda? Mais uma vez, parece que neste país tudo tem de sair enviesado. Começa-se bem, mas acaba-se, impreterivelmente, mal. Deve ser genético. Como dizem os velhos do Restelo, o povo não sabe, não conhece, não tem competência, não tem rigor… Ah, ainda bem que sou do povo, porque até agora, os nossos governos têm sabido ainda menos. A sabedoria popular, a mais válida em democracia, não vingou neste pequeno país à beira mar e à beira lago.
Olhando para o Alqueva, ainda não conseguimos ver onde estão as compensações pelas perdas ecológicas, arqueológicas, culturais e sociais. Onde está o emprego? A agricultura? O turismo? Também é verdade que este país tem diversos bloqueios económico-feudais, que impedem as pessoas comuns, como tu e eu, de empreender. Tem sempre de existir um monopólio por detrás, um interesse económico qualquer, um quintal governado por um senhor feudal qualquer, sob pena de o investimento ser demasiado insignificante para fazer a diferença. Mas, a verdade, é que, por não sabermos, por não podermos ou simplesmente, por não ser possível, os tão alucinados resultados esperados, tardam em chegar e talvez venham mesmo a ser com o D. Sebastião.
Algumas razões para o descalabro:
• Desvalorizando todos os estudos científicos que apontavam para este resultado, persistiu-se no erro e, até ver, o grande motor do desenvolvimento Alqueviano, que era a agricultura, está irremediavelmente perdido. A salinização e sodização dos solos tem aumentado bastante, com a diminuição dos caudais de água doce, e os custos de produção da actividade agrícola tornaram-se bastante altos. O que não é um factor nada convidativo para novos investimentos.
• O pouco emprego criado é de natureza precária e sazonal, o que, como se sabe, não traz qualquer tipo de desenvolvimento social sustentável à região. Ninguém troca um emprego para todo o ano no litoral, por um sazonal e precário no Alqueva.
• Por outro lado, o Alqueva teve, igualmente, impactos importantes no estuário do Guadiana. A diminuição do caudal de água doce no estuário, provocou uma invasão da água salgada prejudicando os solos. Mas esta diminuição de caudal do Guadiana provocou também a redução da acumulação de sedimentos finos que servem de alimento aos peixes e que tornam este estuário e foz muito ricos em recursos piscícolas.
• Para além disso, a diminuição da quantidade de sedimentos também contribui para a erosão da nossa faixa costeira.
• Por outro lado, a construção da albufeira sem que se garantisse a qualidade da água vinda de Espanha, torna a água do Alqueva de má qualidade para consumo humano, aumentando muito os custos de tratamento da mesma.
• O grande consumo de água do lado de lá da fronteira afecta os caudais tornando-os menores, e logo, a qualidade da água que desagua na barragem é também ela afectada.
De facto, podemos sempre dizer que o Alqueva é uma obra de efeitos a longo prazo, contudo, havia alguns resultados de curto prazo que estão longe de serem atingidos. Aliás, como fiasco atrai fiasco, a construção do aeroporto de Beja, no pressuposto de que a região do Alqueva se dinamizaria, levou à construção de mais um elefante branco.
Assim, um investimento de longo prazo, que custou muito dinheiro, está-se a transformar num problema de longo prazo também.
A questão que se coloca é a seguinte: Será que estes efeitos não eram previsíveis? É claro que eram. Bastaria uma voltinha pelo google, para descobrir opiniões e estudos anteriores à sua construção, que apontavam para o descalabro. E porque é que ninguém ouviu? Não sei, mas vou descobrir, ah isso é que vou!
O que sei é que, neste momento deveríamos estar em fase de inquérito nacional para ver o que fazer do maior lago artificial da Europa. Já que metemos a água temos de ver o que fazer com ela, em vez de nos tentarmos afogar nela. O que os nossos (des) governantes têm feito é fazer de conta que nada se passa e que isto é uma questão de tempo e qualquer dia, toca o despertador, ninguém o ouve e vamos todos…por água abaixo.
O mais grave disto tudo é que não tenho a certeza de se ter aprendido algo com este erro. Até lá, egoisticamente vou utilizado o Alqueva para uma das únicas vantagens apontadas e que, esta sim, esta parece funcionar, que é a pesca à linha e o banho. Bem… as licenças de pesca também geram recursos financeiros para o estado, não é?
É isso…dediquemo-nos à pesca, que não temos jeito para mais nada. Mas pesca de água doce!
Não se esqueçam, pelo menos morrer de sede não vamos, o pior são as diarreias!
Hugo Dionísio
A pedido de muitas famílias cá vai. Pediram-me para falar do Alqueva, o que por si só não era muito fácil. Era um tema que não dominava e para o qual tinha de pesquisar. Foi isso que fiz e resultou isto.
A barragem do Alqueva foi construída como forma de responder a uma desertificação anunciada e até agora, irreversível, do interior alentejano. Com esta barragem, a maior da Europa, a agricultura voltaria às planícies alentejanas, para além das actividades turísticas que se desenvolveriam subsequentemente. Ah, sem contar com a electricidade produzida. Até agora, contudo, Alqueva permanece um oásis no meio do deserto. Mas ao contrário dos oásis dos desertos por esse mundo fora, este, não tem sido nada salvador.
Pode considerar-se que gera alucinações como os demais, mas são alucinações de outra ordem. Não são alucinações ou miragens com a água, são alucinações e miragens com o desenvolvimento que deveria ter vindo e nunca o encontrámos. Até agora, mera alucinação fantasmagórica de um desejo prosseguido, atendido e desperdiçado.
Parecia um conto de fadas, a solução era fatalmente certeira e não se admitiram, na nossa precária democracia económico-feudal, vozes contra, por mais avisadas e coerentes que fossem. Como em muitas outras coisas, confundiu-se o velho do Restelo com o cientista, confundiu-se o preconceito com a sabedoria, confundiu-se o conservadorismo com o desenvolvimento sustentado e sustentável.
A teimosia continuou e o projecto chegou ao fim. Mais uma vez, este país, centralista e de governo central e centralizado, meteu água, muita água, a maior quantidade de àgua da Europa (já podemos dizer que somos os maiores nalguma coisa!). E o que sobrou dessa água toda? Mais uma vez, parece que neste país tudo tem de sair enviesado. Começa-se bem, mas acaba-se, impreterivelmente, mal. Deve ser genético. Como dizem os velhos do Restelo, o povo não sabe, não conhece, não tem competência, não tem rigor… Ah, ainda bem que sou do povo, porque até agora, os nossos governos têm sabido ainda menos. A sabedoria popular, a mais válida em democracia, não vingou neste pequeno país à beira mar e à beira lago.
Olhando para o Alqueva, ainda não conseguimos ver onde estão as compensações pelas perdas ecológicas, arqueológicas, culturais e sociais. Onde está o emprego? A agricultura? O turismo? Também é verdade que este país tem diversos bloqueios económico-feudais, que impedem as pessoas comuns, como tu e eu, de empreender. Tem sempre de existir um monopólio por detrás, um interesse económico qualquer, um quintal governado por um senhor feudal qualquer, sob pena de o investimento ser demasiado insignificante para fazer a diferença. Mas, a verdade, é que, por não sabermos, por não podermos ou simplesmente, por não ser possível, os tão alucinados resultados esperados, tardam em chegar e talvez venham mesmo a ser com o D. Sebastião.
Algumas razões para o descalabro:
• Desvalorizando todos os estudos científicos que apontavam para este resultado, persistiu-se no erro e, até ver, o grande motor do desenvolvimento Alqueviano, que era a agricultura, está irremediavelmente perdido. A salinização e sodização dos solos tem aumentado bastante, com a diminuição dos caudais de água doce, e os custos de produção da actividade agrícola tornaram-se bastante altos. O que não é um factor nada convidativo para novos investimentos.
• O pouco emprego criado é de natureza precária e sazonal, o que, como se sabe, não traz qualquer tipo de desenvolvimento social sustentável à região. Ninguém troca um emprego para todo o ano no litoral, por um sazonal e precário no Alqueva.
• Por outro lado, o Alqueva teve, igualmente, impactos importantes no estuário do Guadiana. A diminuição do caudal de água doce no estuário, provocou uma invasão da água salgada prejudicando os solos. Mas esta diminuição de caudal do Guadiana provocou também a redução da acumulação de sedimentos finos que servem de alimento aos peixes e que tornam este estuário e foz muito ricos em recursos piscícolas.
• Para além disso, a diminuição da quantidade de sedimentos também contribui para a erosão da nossa faixa costeira.
• Por outro lado, a construção da albufeira sem que se garantisse a qualidade da água vinda de Espanha, torna a água do Alqueva de má qualidade para consumo humano, aumentando muito os custos de tratamento da mesma.
• O grande consumo de água do lado de lá da fronteira afecta os caudais tornando-os menores, e logo, a qualidade da água que desagua na barragem é também ela afectada.
De facto, podemos sempre dizer que o Alqueva é uma obra de efeitos a longo prazo, contudo, havia alguns resultados de curto prazo que estão longe de serem atingidos. Aliás, como fiasco atrai fiasco, a construção do aeroporto de Beja, no pressuposto de que a região do Alqueva se dinamizaria, levou à construção de mais um elefante branco.
Assim, um investimento de longo prazo, que custou muito dinheiro, está-se a transformar num problema de longo prazo também.
A questão que se coloca é a seguinte: Será que estes efeitos não eram previsíveis? É claro que eram. Bastaria uma voltinha pelo google, para descobrir opiniões e estudos anteriores à sua construção, que apontavam para o descalabro. E porque é que ninguém ouviu? Não sei, mas vou descobrir, ah isso é que vou!
O que sei é que, neste momento deveríamos estar em fase de inquérito nacional para ver o que fazer do maior lago artificial da Europa. Já que metemos a água temos de ver o que fazer com ela, em vez de nos tentarmos afogar nela. O que os nossos (des) governantes têm feito é fazer de conta que nada se passa e que isto é uma questão de tempo e qualquer dia, toca o despertador, ninguém o ouve e vamos todos…por água abaixo.
O mais grave disto tudo é que não tenho a certeza de se ter aprendido algo com este erro. Até lá, egoisticamente vou utilizado o Alqueva para uma das únicas vantagens apontadas e que, esta sim, esta parece funcionar, que é a pesca à linha e o banho. Bem… as licenças de pesca também geram recursos financeiros para o estado, não é?
É isso…dediquemo-nos à pesca, que não temos jeito para mais nada. Mas pesca de água doce!
Não se esqueçam, pelo menos morrer de sede não vamos, o pior são as diarreias!
Hugo Dionísio