Sindroma de Estocolmo? Não será de Berlim? Ou de Bruxelas? Ou de Nova Iorque?

Imaginem um sequestrador que nos empurra para um qualquer canto subterrâneo, escuro, isolado, afastado. Imaginem que os dias, as semanas, os meses e os anos passam lenta e amarguradamente. Imaginem a voz, o cheiro, a sombra e o olhar do agressor, presentes em repetidos reencontros totalmente despidos de emoção, compaixão, fraternidade ou, simples respeita pela comum condição humana. Imaginem que ao desespero dos primeiros dias, se segue o cansaço e o esgotamento dos seguintes. Imaginem o terror transformado em suspense, por sua vez transformado em indiferença.

Esta poderia ser a estória de um qualquer sequestrado. Trágica o suficiente para nos fazer pensar, quase subconsciente, numa saída, numa fuga, numa alternativa.  Bastaria encher a estória de detalhes relacionais, individuais e materiais diversos, para que todos nós, muito humana e institivamente, iniciássemos um périplo mental preconizador de uma possibilidade de fuga, por muito ínfima que fosse. E porquê? Porque a necessidade de fuga ao agressor e a necessidade de luta, quando esta se torna a ultima das alternativas perante o encurralamento, constituem comportamentos reflexivos típicos de todos os animais. Uns enfrentam o agressor, outros engendram hipóteses de fuga, mas nenhum, que eu conheça, se entrega ao conformismo.

Ora, esta entrega ao conformismo já será, em si mesmo, uma tragédia, por representar a desistência da luta contra o agressor, bem como, a desistência da luta (física ou mental) como forma de se atingir uma realidade material alternativa. Contudo, mais trágica ainda se torna a situação quando, sequencialmente, a vítima em causa se afeiçoa, nos mais diversos graus da afeição, ao agressor.

O que de mais insidioso se pode imaginar do que uma vítima de sequestro, por falta de esperança e perspectivas de vida e/ou mudança acabar por se afeiçoar a quem lhe perpetra a agressão? Este constitui, sem dúvida, o mais trágico dos paradoxos humanos. Representa o despir de toda a dignidade, amor-próprio, individualidade e auto estima. Representa o abandono da luta por algo de diferente. Representa a conformação subconsciente com uma determinada fonte de agressão. 

Daí que, psicologicamente se classifique esta tragédia humana como algo de patológico. Quem pode muito bem tratar-se de um Sindroma. Neste caso, provavelmente, o Sindroma de Estocolmo. Mais patológica se tornaria ainda a situação se, de repente, a vitima passasse a desejar a agressão. Quase como, para colocar um fim ao sequestro, desejar um novo sequestro, numa repetição interminável de fugas à agressão que mais não seriam do que repetições da agressão anterior e que, perante a doença, a vitima passasse mesmo a não desejar o fim das mesmas. Ou seja, não apenas se conformava com a ausência de alternativa como, passaria a ver na ausência de alternativa a verdadeira e única alternativa! Já pensaram em algo mais doentio, paradoxal e insidioso?

Infelizmente, esta tragédia humana, enquanto comportamento disfuncional, é facilmente subsumível a muitas outras realidades humanas, individuais e colectivas. Vejamos como.

Os PIGS (Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha) encontravam-se, economicamente, desprotegidos e inseguros face à agressiva economia especulativa global. Em virtude dessa desprotecção, as suas economias foram alvo das mais diversas acções de aproveitamento da sua situação, nomeadamente, ataques às suas finanças públicas.

Numa lógica de fuga ao agressor, neste caso, já numa situação de doentia predisponência ao sindroma de Estocolmo, pois os nossos governantes possuem uma admiração profunda pelos agressores (os “MERCADOS”, os “INVESTIDORES”, os “EMPREENDEDORES”…), estes senhores procuraram fugir para uma classe de agressores, na sua óptica, menos “agressivos”. É claro que, mais uma vez, os nossos (des)governantes mostraram à partida a sua predisponência  para com a contracção da doença Sindroma de Estocolmo. Pois, à partida, todos simpatizavam demasiado com os agressores, neste caso o FMI, BCE e CE. Então, estes senhores, supostamente democráticos governantes, desejaram entrar numa lógica de sujeição interminável, inequívoca e perpétua à agressão exterior.

Mais grave se torna quando, estes senhores, não se limitando a padecerem eles próprios da doença, tentam, por todos os meios que lhes são possíveis (e que são muitos, desde a comunicação social, à manipulação da justiça) submeter os outros à sua macacoa.

Ora, estes senhores, perante a agressão dos seus deuses, qual a alternativa que preconizam? Uma agressão ainda maior. Se o país está mal por causa dos especuladores, vamos dar-lhe com mais especulação ainda. Se o pais está mal por falta de investimento nas pessoas? Vamos desinvestir mais ainda. Se o país está mal porque a austeridade é enorme? Demos-lhe com mais austeridade ainda. E, assim, fazem suceder sobre o seu país e sobre o povo que, supostamente, os elegeu, uma continuidade interminável de agressões, tipologicamente iguais, mas cada vez mais profundas e incisivas. Ou seja, para esta gentalha, a alternativa à agressão passou a ser…a própria agressão!

É curioso que, no entanto, subsistem um conjunto de seres que, muito saudável, natural e humanamente, tentam encontrar alternativas de fuga e luta ao agressor. Daquelas que implicam a sua destruição ou, pelo menos, a não submissão aos seus efeitos. Este comportamento é, aliás, o verdadeiro motor da história, subjacente à luta de classes, do progresso e até, da sobrevivência das espécies. Imaginem que os escravos em vez de se libertarem, teriam preferido continuar como estavam (aliás, os doutrinados economicistas da altura defendiam a escravatura porque era economicamente importante, portanto, não se podia acabar com ela)? Imaginem que os burgueses do século XV e XVI, sem vez de terem combatido o feudalismo se tivessem entregado às guilhotinas monárquicas? Imaginem os operários do século XVIII que, saídos da revolução industrial, deram em criar partidos, sindicatos, conquistando uma qualidade de vida sem precedentes, imaginem que este se tinham entregado apenas e tão só à desumanidade laboral que o capital lhes queria impor?Imaginem que Portugal não se tinha tornado independente porque Castela era maior e mais rica? Imaginem que não se tinha derrubado a ditadura, porque eles eram mais fortes? Bem, esta ultima é, precisamente, uma das razões da agressão!

Quer esta escumalha neo-liberal queira, quer não queira, está na natureza da vida a luta por alternativas de sobrevivência. Aliás, diria mesmo, o que faz a vida ser tão bela e preciosa é a capacidade que a natureza tem de, perante todas as ameaças de morte e destruição, encontrar sempre o caminho da sua afirmação e salvação, produzindo as roturas e as revoluções necessárias à sua sobrevivência.

E vêm agora estes ditadores argentaristas, uns doentes do sindroma de Berlim, Bruxelas e Nova Iorque, originariamente desistentes do progresso e da evolução, procurar estender a sua insana patologia a todo o país?

É claro que, no meio destes animais, temos diversos graus e espécies patológicas. Uns são masoquistas, nomeadamente aqueles que sofrendo a agressão no pelo, julgam que a mesma é boa e sabe bem. Outros são Sado-masoquistas. Gostam da agressão, gostam da dor que provoca mas querem-na estender a todos nós, para se excitarem enquanto nos vêem sofrer. Também temos os fetichistas Sádicos. Não sentem qualquer efeito da agressão, contudo, a sua homo e sócio fobia são tão grandes que, por razões diversas, gostam e querem ver os outros sofrer. Outros são sofredores do Sindroma de Estocolmo. Apaixonaram-se perdidamente pelos agressores.

Podem passar um bocado a pensar onde enquadrar gente como o Luís Delgado (e a sua raiva primordial a tudo o que está à sua esquerda, o que não quer dizer que seja de esquerda), o Camilo Lourenço (neo-liberal romântico e empedernido) ou até o Ministro das Finanças (menino de mão do agressor). Todos eles se enquadram nalguma das categorias anteriores, mas todos eles têm algo em comum. Nãos e contentam em serem eles os agredidos. Querem-nos todos a sofrer. Querem-nos todos caladinhos. Querem-nos todos apaixonados pelos agressores que, para eles, era ou se tornaram deuses (a Troika, os mercados, os investidores…). Querem que todos nós nos dispamos da nossa humanidade e da nossa natural tendência para a evolução e sobrevivência.

Não vos chega serem doentes sozinhos?


Seus…Sindrominados


3 comentários:

Anónimo disse...

Ao ler este realista sindroma fez-me recordar um pequeno, mas grande livro, do meu tempo de estudante no qual os professor se esforçavam para nos incutir bons hábitos. Narra esse bom livro, por mais voltas que a vida desse, e por mais mudança queiramos, há sempre alguém com o tal sindroma, demente incomprensivel aos olhos dos demais indiferentes que se alheiam daquilo que os rodeião com se nada fosse, ficando os lesados da vida e da mudança a sua própia sorte.
" Uma abelha na chuva" Carlos de Oliveira
Obrigado Hugo por tão bons textos
A. Nobre

Anónimo disse...

Ao ler este realista sindroma fez-me recordar um pequeno, mas grande livro, do meu tempo de estudante no qual os professores se esforçavam para nos incutir bons hábitos. Narra esse bom livro, por mais voltas que a vida desse, e por mais mudança queiramos, há sempre alguém com o tal sindroma, demente incomprensivel aos olhos dos demais indiferentes que se alheiam daquilo que os rodeião com se nada fosse, ficando os lesados da vida e da mudança a sua própia sorte.
" Uma abelha na chuva" Carlos de Oliveira
Obrigado Hugo por tão bons textos
A. Nobre

Unknown disse...

Obrigado eu por fazeres parte dos amigos que têm paciência para os meus desabafos.