Posted on April 3, 2014
Isabel Jonet afirmou que os desempregados passam demasiado tempo nas redes sociais em vez de procurarem emprego. A afirmação carece de bom senso, mas sobretudo é falsa. Se os desempregados fossem todos à procura de emprego haveria na mesma 1 milhão e 400 mil pessoas desempregados. Os mesmos que há com os desempregados “a passar o tempo nas redes sociais”. Há 1 milhão e 400 mil desempregados porque há 1 milhão e 400 mil postos de trabalho que não estão a ser utlizados de propósito.
O Governo decidiu uma política recessiva que permita recuperar as taxas médias de lucro na produção e que o Governo definiu no próprio Orçamento de Estado: fazer cair o PIB, encerrar fábricas e empresas e criar ainda mais desemprego (cito o Relatório do Orçamento de Estado 2013). Isto faz-se desempregando pessoas, aumentando a jornada de trabalho para que um faça o trabalho de dois, intensificando tarefas (dando cada vez mais trabalho à mesma pessoa), aumentando impostos para fazer falir pequenas empresas (restaurantes, cabeleireiros, cafés, lojas), regulando a existência de estágios para exercer profissões (não obrigando à sua remuneração, por exemplo). A consequência disto é a médio prazo quebras na produtividade, os que trabalham estão exaustos e o número de esgotamentos duplicou e aumentou o número de acidentes de trabalho. É preciso ainda recordar, e surpreende-me que a presidente de uma associação humanitária o desconheça, que a maioria dos desempregados não tem condições para procurar emprego.
Para procurar emprego é preciso dinheiro (para imprimir CVs, deslocar-se para ir a entrevistas, ter acesso à Internet ou jornais, telefonar); porque as hipóteses de ter emprego aumentam se as pessoas têm saúde, dentes arranjados, estão bem vestidas, etc; porque para procurar emprego é preciso ter iniciativa e muita gente está paralisada pela depressão do desemprego; porque para procurar emprego é preciso ter de enfrentar propostas salariais que não justificam sair de casa como hoje é comum: um call center onde se ganha, trabalhando 6 dias por semana, 9 horas por dia, 480 euros. Basta juntar a alimentação e viver num subúrbio com um passe social de 70 ou 80 euros para já não compensar trabalhar.
A economia clássica dizia que o crescimento económico levava a um crescimento dos salários e esse crescimento dos salários levaria a um crescimento da população e o crescimento da população iria controlar o crescimento do próprio salário (muita gente para trabalhar). É uma visão ricardiana, que os clássicos foram buscar a Malthus. Karl Marx veio dizer que esta é uma pequena parte da história – a menos importante. Porque há um outro factor, mais determinante para manter os salários baixos, aquilo que ele designou como exército industrial de reserva – uma gigante massa de desempregados. O desemprego é, no modo de produção capitalista, a forma mais rápida de baixar os salários porque quem está empregado sente-se ameaçado de perder o emprego e aceita a redução das condições laborais. Não é no entanto necessário qualquer desempregado. Por exemplo, para fazer descer os salários dos advogados é preciso advogados desempregados; para baixar o valor dos salários dos professores é preciso professores desempregados, e por aí fora, e por isso hoje a função da escola é, cada vez mais e de forma mais rápida, formar pessoas que desconhecem a totalidade, não têm raciocínio abstracto, mas dominam tarefas e competências (podem rapidamente estar aptas a entrar no mercado de trabalho – é isto que mede o PISA e por isso Portugal está melhor no PISA) para que fiquem rapidamente desempregados e assim pressionem para baixo os salários. O Processo de Bolonha, o ensino dito profissional ou as novas oportunidades são a expressão desta necessidade de formar o mais rápido possível desempregados – hoje este é o objectivo principal das políticas de educação, do básico ao superior. E, afirmo-o sem qualquer dúvida, fazer desempregados é o objectivo principal da política governamental, se olharmos a economia na sua totalidade.
Sem um rumo de ruptura com estas políticas vai haver cada vez mais desemprego porque o desemprego é a chave da “saída” da maior crise histórica do modo de produção capitalista desde 1929. É preciso lembrar ainda que 1) Portugal tem no desemprego 1 milhão e 400 mil pessoas aptas para trabalhar 2) um país que precisa que se produza bens e serviços 3) não utiliza toda a capacidade instalada (investimentos, máquinas etc.) 4) os bancos estão inundados de dinheiro e não fazem investimentos, nem os chamados “grandes empresários” porque a remuneração do investimento via títulos da dívida pública é maior e mais segura, e porque as grandes empresas funcionam em regime de monopólio, não estão sujeitas à competição que podia levar a mais investimentos – no caminho morrem as PME porque a maioria depende das encomendas destes monopólios. E tudo isto existe porque existe uma lei da gravidade do modo de produção capitalista – a queda tendencial da taxa de lucro que se deu efectivamente e que levou a uma brutal e inédita desvalorização da propriedade, cuja expressão foi a falência bancária em 2008. O euro está à beira do seu fim, hoje estas empresas grandes vivem o pânico da deflação e tudo é legítimo para evitar o inevitável, mesmo que no caminho deixem 1 milhão e 400 mil pessoas na desumana situação de não terem como viver.
O direito ao trabalho é o direito à vida e, como bem social que é, o trabalho deve ser divido por todos e todos trabalharem. Não existe nenhuma solução realista para o nosso país que não seja a redução do horário de trabalho sem redução salarial. Todas as outras medidas são inúteis e não trarão qualquer resultado. Muitos dos desempregado estão hoje nas redes sociais não com uma forma particular, entre outras, de socialização mas como a única forma que têm de ter contacto com o mundo porque não podem pagar transportes, jantar fora, ir ao cinema ou a um concerto ou sequer ao café. Em Portugal há 47% de pobres antes das transferências sociais. Tenho porém um acordo com Isabel Jonet. Os desempregados têm de sair das redes sociais e passar a organizar-se socialmente, não para irem trabalhar por 432 euros e pedir comida ao Banco Alimentar metade do mês, mas para pôr fim a este modelo social de destruição. E sobre ele construir um mundo menos injusto, mais igual e – também – mais livre.
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