Compreensão lenta ou mudez comunicacional?
Férias longas, as minhas. Até parecem as dos juízes:-). Estão a ver como é que o senso comum pode ser tremendamente injusto?
Pois é, algo me acordou. Desorganizadas ou não, orgânicas ou inorgânicas, programadas, reprogramadas ou desprogramadas, as "manifes" do passado fim de semana colocaram em sentido a nossa trupe governativa. E o pior, é que, na minha modesta opinião, foi mesmo o seu carácter espontâneo que os assustou. Desta vez não foram os comunas da CGTP-IN que organizaram, mesmo que tais seres tenham colocado 300.000 nas ruas de Lisboa hás uns meses. Estas, espontâneas, cuja orgânica era certamente composta por uma quantidade considerável de "comunas" da CGTP-IN que estiveram nas 300.000, nas 200.000, nos 100.000, desta vez assustaram. Porque é que estas assustaram é estas assustaram e as outras não? Porque a trupe desgovernativa, simplesmente, não estava à espera de tal massificação. As massas revoltaram-se e não há nada de mais amedrontador para esta burguesia hiper-liberal, do que, a energia e a agitação das massas. Quando as massas se agitam...o mundo avança. Aliás, foi o seu maior inimigo que, cientificamente identificou este mecanismo. Foi Marx. O tal que se tinha enganado. O tal que tinha errado na sua análise.
Confundiram-se um bocado, estes tipos. É que Marx não foi um profeta. Marx não foi um messias. Portanto, ao contrário das teologias em que estes senhores dizem acreditar porque parece bem (porque eu não acredito que gente tão gananciosa e bacocamente materialista, acredite em algo espiritual), Marx foi um cientista. Marx limitou-se a identificar um mecanismo dialéctico e a fazer uma previsão científica de como evoluiria o mecanismo partindo das premissas que a sua actualidade lhe proporcionava. É como descobrir a gravidade e prever que, a partir daí, todos os corpos vão ter um determinado comportamento em relação a ela. Salve o exagero, porque no caso das ciências sociais e humanas, não há exactidão matemática, o principio é o mesmo. Não é adivinhação. É dedução, pura e dura. E também dialéctica.
Agora, o problema é que, no meio de todas as reacções da trupe desgovernativa, verificaram-se algumas que me enraivecem profundamente. A principal delas: Um jornalista pergunta aos esbirros partidários da trupe desgovernativa (podemos estar a falar dos mesezes, rios, sousas, delgados, carvalhos ou sarmentos), o porquê de tanta contestação nas ruas, ao que estes senhores respondem: "desconfio que o governo não soube explicar bem o que pretendia"; "desconfio que os portugueses não perceberam bem a mensagem do sr. Primeiro Ministro"; "desconfio que o governo deve fazer um esforço maior para explicar o que pretende, de forma perceptível para todos os portugueses". Poderia continuar com as respostas do tipo.
Porquê a raiva? Então o país anda todo aos solavancos, as pessoas desesperadas manifestam-se nas ruas porque de uma momento para o outro podem perder, entre IRS de TSU, mais de 10% do poder de compra, já de si afectado numa proporção muito maior, pelas medidas anteriores, e segundo estes esbirros, segundo estes penduricalhos fabricados em série, tudo não passa de um problema de Comunicação?
Então, gastam milhões em Marketing Politico nas campanhas eleitorais para produzirem os mais bonitos e persuasivos pacotes de palavras. Gastam milhões em agências governamentais para a comunicação para fazerem as mais variadas e apelativas paletes de palavras. Gastam milhões em Coaching, Personal training e Consulting sobre comunicação, recorrendo às mais desconhecidas e indeterminadas profissões que o Marketing psicológico capitalista criou. Gastam milhões a corromper e a pressionar agentes de comunicação social para que digam o que querem e como querem. Gastam milhões a contratar os rebelos, delgados, lourenços e que tais, para dizerem o que lhes encomendam e da forma que encomendam. E depois, de milhões gastos, tirados dos nossos bolsos, estes desvairados e desavergonhados seres antropoduplices vêm cuspir nas nossas caras os seus gafanhotos salivares, dizendo que tudo não passa de um problema de comunicação?
Vamos lá a ver. São eles que não estão as explicar bem? Então, meus caros, despeçam toda essa cambada de vendedores de palavras, envolvidas em banha de cobra. Porque são todos mentecaptos.
Ou então...é o povo que não compreende? Boa, então dizem que o povo tem compreensão lenta. Bem, para quem em dois anos leva o orçamento da educação a metade despede metade dos professores, volta a não ter nada do que se queixar. Ou seja, continuam com a culpa.
Por fim. São os meios comunicacionais que não prestam? Bem...sendo todos privados, então que sentido faz também privatizar a RTP?
Há poucos papagaios? Os ficheiros MP3 estão corrompidos? As cassetes desmagnetizaram? o sistema de transmissão de radio e TV não funciona? Bem disse que isto da TDT ia dar problemas e que era acima de tudo um problema democrático. Espera aí...há aqui uma palavra que não soa bem.
Democrático! igual a Governo do Povo. Ah. Boa. Meus caros e fardados duplices hiper liberais. Não, não foi o povo que percebeu mal. Foram vocês que não perceberam nada. Em democracia o povo tem sempre razão.
E chegámos ao que me enraivece. É que estes senhores nem colocam em causa que a medida esteja errada. "não, as medidas são boas, o povo é que não as entende", dizem. Expliquem lá outra vez? Meus caros, o povo é, ás vezes, um bocadito burro, mas nem sempre. E o povo, é o povo. E em democracia, o povo é tudo. O governante que se diz democrático, e que governa em democracia, que não reconhece a razão do povo quando este lhe transmite que não gosta das suas medidas, não pode continuar no poder. Quando o povo diz que não gosta e o diz de forma tão veemente, um democrata não pode vir dizer que o povo não sabe, não compreende, ou que o governante nãos e fez entender. Tem, em primeiro lugar, de colocar em causa o mérito democrático do que está a fazer. O povo pronuncia-se contra e o povo é que está mal?
Pois é, eu sabia que vivíamos na ditadura mercantilista do dinheiro. Sabia que vivia num estado totalitário, em que tudo funciona na lógica do dinheiro e da acumulação de riqueza. Sabia que vivíamos num estado de letargia social provocada pela manipulação de massas. O que não sabia é que estes senhores já se sentem tão à vontade e com tanta arrogância, que se sentem livres para dizer, com todo o paternalismo que qualquer ditador utiliza, que o povo não entende. Não sabia que estes senhores tinham a coragem de mostrar à saciedade o quão mal tratada está a democracia. Não sabia que para estes senhores o povo não legitima a democracia. O que a legitima é o dinheiro e o capital.
Então meus caros, se ser democrata é aceitar que, em cada momento o povo escrutine o poder, modificando o seu exercício, independentemente da bondade subjectiva de cada uma das suas pretensões. Se ser democrata é estar preparado para prescindir da vontade individual em detrimento de uma vontade colectiva popular, porque em democracia é o povo que manda e não a mente de cada indivíduo. Se a democracia consiste na susceptibilidade do povo, através dos mecanismos democráticos (por exemplo, as manifes), influenciarem o exercício do poder em cada momento. Se ser democrata é aceitar a vontade do povo, sem paternalismos, mesmo que pensemos que o povo está errado, mas acreditando que é nas massas que está o progresso. Então, meus caros, estes senhores não são democratas, são liberais, neo-liberais, hiper-liberais, mega-liberais...não interessa. São ditadores e protagonistas de um sistema totalitário, governado da cúpula para a base e não o contrário. Estes senhores são elitocráticos, teocráticos, argentocráticos, capitalistocráticos, mercantilistocráticos.
E é por isto tudo que não servem. alguém não percebeu, ou estou com problemas de comunicação?
É no movimento das massas que está a génese da democracia e a garantia do progresso. Que nunca pare!
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