Há quem diga que os governos mundiais estão dominados pela ideologia ultraliberal (de neo, passou a ultra). Essa é uma verdade, mas, como todas as verdades, apenas uma verdade parcial.
Tomemos, para começar, o exemplo do nosso empobrecido país. Poderá dizer-se que a actuação do actual (des)governo se caracteriza, tanto no plano dos princípios, como no das práticas, por ser liberal (neo ou ultra)? Tenho dúvidas. E tenho dúvidas porque uma ideologia pressupõe um modelo filosófico assente em princípios sólidos e organizados de forma sistematizada, com vista à obtenção de uma determinada finalidade. Portanto, a questão que coloco é a seguinte: será que a actuação do governo actual assenta num sistema de princípios filosóficos sólidos? Será que a sua prática governativa é coerente com os modelos liberais conhecidos e difusamente teorizados, aplicados, testados?
A minha resposta é não! Mais me parece que a actuação deste governo (e da grande maioria dos governos ocidentais) reflecte a amalgama de atitudes e crenças resultantes da crise das ideologias, das filosofias e das utopias. Nesse aspecto, acho mesmo, que estamos a passar uma idade média. Depois da crise das ideologias, ficámos num limbo de aparente consenso e normalidade politica, em que o apartidarismo ganhou voz e em que o chavão "não gosto de politica" passou a estar na moda. Esta falta de atitude e identidade politica, resultante de uma certa orfandade ideológica, é pasto fértil para os oportunismos. O anestesiante consumismo compulsivo, escravizador de espíritos e propiciador de falsas sensações de conforto, é um dos principais geradores de caciques, demagogos, charlatães, aproveitadores de toda a ordem e para todo o tipo de intenções que utilizam uma ou outra ideologia para, numa perspectiva pragmática e utilitarista, justificarem e obterem determinados resultados. Esta indefinição ideológica é óptima para os salteadores do erário público. Esta indefinição é óptima para a abstenção que, por sua vez, é óptima para a tomada do poder por seitas e grupelhos que de democrático nada têm, de tão afastados que estão das pessoas e da vida.
Justifico esta minha opinião com factos:
Facto 1: O governo quer, de forma mercenária, transferir para os grupos privados os activos rentáveis do estado. Aqui, os comentadores e jornaleiros utilizam, de forma radical e ultra sectária - o que faria corar os esquerdistas do Prec - o mais comum dos jargões liberais. "o estado ocupa muito espaço"; "o estado sufoca a economia"; "o privado gere melhor que o público".
Facto 2: Se o governo quer concentrar o capital num conjunto de famílias e grupos económicos, aqui vai utilizar o jargão da regulação: "o estado regula a economia no interesse do país"; "os portugueses podem confiar no governo para tomar as melhores decisões económicas"; "Portugal tem muito a ganhar com grupos económicos fortes". Mais concretamente, esta pretensão fundamenta-se na doutrina salazarista, mas isso não se pode dizer...não é?
Facto 3: Se o governo quer cortar nas pensões para poupar dinheiro, utilizará o jorgão salazarista: "temos de pagar o que devemos"; "somos gente honrada, pobrezita, mas honrada"; "o que interessa é proteger a dignidade dos mais débeis"; "os portugueses têm é de poupar para sua reforma".
Facto 4: Se o problema é tocar nas pensões dos juízes - e isso eles não querem, porque não querem ir presos - aqui dizem que não há consenso politico para o fazer. Aqui já são democratas.
Facto 5: Se o governo que transferir milhares de milhões do nosso dinheiro para os bancos dos seus amigos, aqui utiliza o jargão económico da responsabilidade por manter o sistema financeiro estável. Aqui lembram-se do estado providência.
Facto 6: Se o problema é acabar com a vergonha das PPP, aqui lembram-se de fundamentar a sua pretensão com o direito das obrigações. "os contratos não se podem, pura e simplesmente, rasgar" - a não ser que sejam contratos de trabalhadores, digo eu!
Facto 7: Se o problema é manter ladrões no governo. Aqui já são democratas e já usam a legitimidade democrática para dizer, "foram eleitos"! Só não serve quando estão na oposição.
Facto 8: Se o problema é a justificação das más politicas económicas: "foi a chuva e o mau tempo".
Facto 9: Se o problema é a crise politica e a demissão do governo: "ai os mercados..."; "ai os investidores..."
Facto 10:...
Poderia continuar por aí fora, mas julgo que deu para entender. Não há ideologia subjacente, existe, isso sim, um total sentido de oportunidade e um total pragmatismo utilitarista. Estes governos são a expressão máxima da anti-ideologia. São salazaristas, sociais democratas, socialistas, liberais, ultra liberais. São tudo o que der para justificar as suas pretensões individuais de poder e riqueza pessoal. Deles, ou de quem os sustenta. E podem crer, quem mais manda é quem não aparece. A única certeza filosófica na actuação desta gente é a certeza de que, se necessário for, serão selvagens. A mentira, o logro, a desonestidade intelectual, a charlatanice e a demagogia são utilizadas em catadupa, como forma de obter o poder, porque o objectivo é lá chegar. Lá chegados, qualquer ideologia serve, desde que sirva as suas pretensões pessoais ou enquanto mandatários.
Porque é que a doutrina ultraliberal é a que sobressai? Porque é a doutrina e a ideologia que melhor se adequa enquanto forma de justificação das práticas governativas mais selvagens, narcisistas e oportunistas. O Estado, enquanto ordem, ameaça para a imposição da lei selvática do mais forte, ou acaba-se com ele ou domina-se. A lei, enquanto regra, limita a liberdade de acção, portanto, ou muda-se ou acaba-se com ela. Tudo para que não haja limites à acção individual. Liberalismo? Não! No liberalismo, os bancos vão à falência. No liberalismo não se financiam, com fundos públicos, empresas como a EDP. No liberalismo ninguém anda pendurado nos empregos do estado, como os "especialistas" que estes senhores nomeiam para seus assessores. No liberalismo não se pagam impostos elevados. No liberalismo económico não há feudo económico, não há cartel, não há oligopolios e monopólios.
O que temos aqui é a mais pura forma de imperialismo. Não militar, mas económico. Manda o mais rico. O mais rico dita as regras, para os outros e para si, a fica a falta de regras. Algo caracteriza melhor este governo do que a falta de regras para si próprio?
Ideologia tenho eu. Eles têm a incultura da falta de civismo. A animalidade da falta de compaixão e solidariedade com os seus "supostos" semelhantes. O oportunismo do mais forte. O utilitarismo do ditador. A cara de pau do mentiroso. o cinismo do desonesto. O instrumentalismo do tirano. Tudo disfarçado de democracia, consenso e correcção politica.
Mas sabem o que é que me enraivece mais? A desonestidade intelectual. Mais do que a corrupção e o trafico de influências que desenvolvem, o que mais me dói é mesmo o de tentarem fazer de mim, e dos outros, parvo. Só sou parvo quando quero!
"Diminuímos os escalões do IRS mas a progressividade do imposto aumentou". Ministro das Finanças aquando da aprovação do OE de 2013.
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