E eis que o cúmulo da hipocrisia voltou do passado A empresa que,
trabalhando em Portugal, é sediada na Holanda, para fugir aos impostos,
tem responsabilidade social e "ajuda"... Os "pobres"! O patrão "caridoso"
que explora o trabalho temporário, os estágios do IEFP, destruindo
trabalho com direitos, tem responsabilidade social e "ajuda"... Os
"pobres"! A "dondoca" que no seu chá das 5, proclama a caridade como
passatempo e, doando 1/10 do que vale o seu vestido, "ajuda"... Os
"pobrezitos"! O voluntário desempregado, pobre e mal tratado, sem saber
que perpetua a sua pobreza, "ajuda"... Os "pobrezitos"! O "pobre", longe
do fausto e do glamour de quem é caridoso, atendido pela
responsabilidade social que o "exclui", rebaixa-se, esconde-se e estende
a mão... Timidamente, primeiro; ostensivamente depois... Estende a mão,
pede, pedincha... E continua a ser pobre; sempre pobre; para sempre
pobre! Para que serve a "ajuda" aos "pobres"? Alguém, afinal, ajuda os pobres?
Cada vez me enoja mais, a "fraude" humanitária que é, a "industria da caridade". Hoje em dia, observamos toda uma panóplia de "apoios" caridosos, prestados por uma enormidade de associações, fundações, ong's, IPSS... Desde as bombas de gasolina, aos hipermercados, passando pelos centros comerciais, pelas ruas, pelos mercados e lojas, entram-nos pelos olhos (e pelo bolso) as imagens difusas de gente "voluntária" disposta a prestar a sua "ajuda" aos "pobres".
Compreendo que muita desta gente esteja de "corpo e alma" em projectos desta natureza, certos de que estão a dar a melhor das contribuições ao seu país. Compreendo, também, que os "pobres", em estado de necessidade, não se preocupem com "ideologias" e pretendam, acima de tudo, aplacar a sua fome de bens de toda a espécie. Não renego, também, a ideia de uma certa "honestidade" de muitas das pessoas envolvidas nesta industria.
Mas há coisas que enraivecem de forma profunda quando analiso tudo isto com racionalidade, lógica e acima de tudo, com fraternidade e humanidade...
Não percebo como é que é possível ver as Senhoras Arnaut, Jeunet, Balsemão e outras que tais, que pertencendo à classe dominante, a classe que explora, concentra e suga a riqueza produzida por outros, depois venha, numa espécie de catarse psicológica, utilizar a "caridade" como a indulgência a pagar por uma existência caracterizada por opções pessoais, políticas, morais e éticas, que mais não fazem do que perpetuar a desgraça alheia.
Não percebo como é que aqueles que são responsáveis pelos poderes de políticos que depauperam o estado (que é de todos), que cortam na "despesa" social, que desqualificam a educação pública, que destroem o serviço nacional de saúde, que protegem os credores da divida pública, depois venham, colocar na industria da caridade a resolução dos males da pobreza.
Não percebo como é que, diminuindo e exterminando os instrumentos de redistribuição da riqueza, destruindo a segurança social, despedindo funcionários públicos em catadupa, precarizando a leis laborais, ajudando bancos em vez de famílias, venham depois colocar nas cantinas sociais o ónus da minimização do impacto da pobreza que produzem!
Não entendo como é que alguém que, por um lado pertence, legitima, reforça e perpetua um sistema que multiplica a miséria e divide "ricos" de "pobres", distribuindo aquilo que não é seu, distribuindo os bens e serviços que custam a ganhar aos que tal gente explora e empobrece, venha depois, numa espécie de "perdão eterno" e "ansiolítico existencial" assumir um papel que mais não faz do que perpetuar um sistema que vive da pobreza. A ajuda aos "pobres" que Jeunet e outras preconizam, não serve à sociedade, não serve à pobreza, não serve ao pobre. O "pobre" não é um "pobre"! O "pobre" não precisa de "ajuda"! O "pobre" é um ser humano que só precisa de uma coisa: sair da pobreza em que o colocaram!
O "ajudar" os "pobres" não é mais do que um subproduto de uma sociedade paternalista, elitista e divisionista. O ser "caridoso" com os "pobres" mais não é do que um sentimento, religiosamente enraizado que, mantendo os ricos, perpetua os pobres.
Os "pobres" não são mais do que cidadãos, de pleno corpo que precisam de dignidade. Que precisam de um estado que, garantindo oportunidades e direitos, justiça social e igualdade, não os obrigue à indignidade de terem de pedir. Ter de pedir para sobreviver é a pior indignidade a que alguém pode submeter um cidadão num sistema que se diz democrático.
Lutar por políticas sociais que os tirem da pobreza, isso sim, seria ajudar os pobres!
P.S. No Mcdonals, quando ia pagar, perguntaram-me se dava 20 cêntimos para a "luta" contra a fome! O Mcdonalds pede-me o dinheiro e depois dá o cheque ao Banco Alimentar.... O McDonalds, dano o "meu" dinheiro, aparece na fotografia como "lutando" contra a fome. não era mais fácil, pagar salários melhores, proporcionar um trabalho digno, não fugir aos impostos, distribuir os seus lucros, combater a especulação financeira.... Que raio de luta é esta que quem causa a fome, vem depois combatê-la?
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