A História não mente!


Uma das coisas boas da História é que nos permite aprender com o passado. Regra geral, os períodos de evolução do “estado” e do seu poder, coincidiram com períodos de progresso civilizacional. Os períodos de enfraquecimento e desaparecimento do estado coincidiram com a escravatura, o feudalismo e a servidão. A história dá-nos lições inestimáveis… Se pretendermos saber o que é uma sociedade dominada pelo interesse individual, pela ausência de estado e pelo poder privado absoluto – olhem para idade média e para a sociedade feudal! É isso que nos espera com o neo e ultra-liberalismo! A História não mente! O percurso humano não engana!





O estado Romano representou o progresso civilizacional

Independentemente do critério adoptado ou dos parâmetros definidos, julgo poder dizer com grande dose de certeza que a civilização greco-latina, corporizada no que conhecemos “Império Romano” e “Antiga Grécia” (mais tarde assimilada pelo primeiro), representou, a todos os níveis, uma evolução civilizacional profunda em relação ao estágio civilizacional antecedente. Ou seja, o “mundo romano” era um mundo bastante evoluído para a sua época, seja cultural, económica ou socialmente (com todas as contradições conhecidas).

Da mesma forma, posso assumir também, com grande dose de certeza que, a queda do império romano e a entrada na idade média, representou um retrocesso civilizacional enorme. A ausência de “estado”, com tudo o que este supõe (leis, ordem pública, prática governativa centralizada, organização económica…), representou um atraso civilizacional do qual a Europa (e não só) demorou centenas de anos a recuperar.

Ora, uma das características que fez da civilização romana o que era, foi a sua evolução ao nível da estrutura administrativa do estado. A um período antecedente assente na organização tribal (essencialmente), o período romano representou, acima de tudo, e na minha perspectiva, a emergência da figura do “Estado” como um elemento central e fundamental para o estabelecimento da civilização. O Direito Romano, a organização administrativa romana, a engenharia romana (fomentada por obras públicas de grande envergadura) constituíram elementos “estatais” que hoje reconhecemos, historicamente, como fundamentais para o estabelecimento, funcionamento e sobrevivência de qualquer sociedade civilizada.

E o que sucedeu após a queda do Império Romano?


O fim do “estado romano” produziu a idade média e a era feudal

Bem… após a queda do Império Romano, deu-se um vazio de “poder central”, ou seja, de “ordem pública”, de “estado”. Sem estes elementos a sociedade desorganizou-se, destruindo-se as fundações da civilização até então conhecida.

Com essa destruição, entrámos na idade média, um mundo que “civilizacionalmente” retrocedeu mais de mil anos, passando a ser governado, desta feita, não por “tribos”, mas por “feudos”. O fim do “estado” levou ao “feudalismo”. A idade média foi a idade do poder dos mais fortes, foi a idade do governo pela “força” contra o governo do “direito”. Cidadãos, escravos, camponeses, artesãos e pequenos comerciantes viram-se sem recurso qualquer ordem central estabelecida, mesmo que ténue… Resultado?


A sociedade feudal como o expoente máximo do poder privado

O resultado é conhecido… Perante a insegurança, o crime e a desagregação constante das suas vidas, a maioria da população não teve outra alternativa que não a de se juntar aos feudos e, submetida a relações de “servidão”, procurar nesse estatuto alguma segurança social que resultasse da sombra de um senhor feudal. É claro que essa segurança era ténue e instável, dependendo dos humores dos senhores e seus capatazes. Foi uma época marcada pela miséria humana mais absoluta e generalizada, por oposição à opulência e desmando dos grandes senhores feudais, inatingíveis no seu poder de impor a justiça, a (in)segurança, a regulação da economia e das relações de propriedade e trabalho. A esmagadora maioria da população ocidental não tinha qualquer liberdade individual ou colectiva, estando adstritos à terra e ao seu dono.

Quando alguém quiser saber o que é o mundo sem “Estado”, um mundo governado pela “autonomia privada individual absoluta”, basta olhar para o período feudal! O fraco esmagado pelo forte!

Contudo, a agregação em cidades e com a reconstrução do poder central a partir da figura do “rei”, aos poucos, a sociedade foi evoluindo, mais uma vez, para a recriação do “estado” e para a fundação de um novo “contrato social”. Aos poucos, o feudalismo, o poder dos mais fortes foi-se submetendo (mesmo que apenas formal e parcialmente) ao poder do “estado”. Mais uma vez, na nossa história, o fortalecimento do “estado” representou um processo de progresso civilizacional.


O “retorno” do “estado” e a entrada na modernidade

Com a emergência do “estado” foram emergindo, novamente, as ideologias de organização social e com estas as visões do mundo… O mundo progrediu e o “estado” passando de “monárquico” a “burguês” (estado actual), foi-se democratizando em alguns aspectos da sua vida.

O fortalecimento do “estado burguês” resultante da revolução francesa, assediado pelas pressões do estado soviético e do bloco de leste, resultou no surgimento e criação do “estado social” e da ideia de “estado providência”. Assim, em resultado de um estado intervencionista na economia, no direito, na segurança social, na cultura, etc, profundamente influenciado pela ideologia Marxista e pelo poder dos partidos comunistas e do movimento sindical operário (por muito que o capital e a direita o tentem branquear), assistimos ao período histórico em que, talvez, a humanidade mais evoluiu civilizacionalmente…

Mais uma vez a lição histórica é retumbante… Estado forte e democratizado é condição fundamental para uma sociedade forte e civilizada. Uma sociedade sem um estado forte não encontra em si as fundações colectivas necessárias para poder evoluir harmoniosamente (o que não equivale a dizer que todos os estados fortes são bons ou representam um progresso).


Caminhamos, outra vez, para a desagregação do “estado” e com ela para o domínio absoluto do poder privado

E onde nos leva esta reflexão? Leva-nos ao estágio actual. Um estágio social em que, mais uma vez os “senhores feudais” (desta vez tratam-se de feudos económicos) tentam, através de uma visão neo e ultra liberal, enfraquecer e destruir o “estado”. E fazem-no de várias formas.

Primeiro destroem a sua capacidade de intervir na vida das pessoas, destruindo-os economicamente, retirando-lhe mecanismos de influência económica e social (privatizações em massa, desregulação e desjudicialização do direito…). Um estado sem mecanismos de intervenção (apenas a “regulação”, que sabemos em que resulta) é um estado profundamente anti-democrático. Porquê? Porque, mesmo que a participação social exista, é destituída de consequência, porque o governo é eleito, mas o “governo” não está nas suas mãos. Por exemplo: podemos eleger um primeiro-ministro que diga que vai criar emprego, mas se o estado que governa não tiver forma de impor essa criação de emprego…

A destruição progressiva do “estado” e do “contrato social” em resultado da submissão dos poderes à elite económica e financeira, que impõe uma visão neo e ultra liberal (apenas no que lhe dá jeito), traz consigo um retorno à “era feudal”.


O fim do “estado” e o fim da “democracia” burguesa

O que assistimos hoje com o domínio dos grupos económicos e financeiros sobre o estado, o funcionamento das instituições públicas, não no interesse dos cidadãos, mas das “empresas”, dos “empresários”, dos “empreendedores” e do capital… O que assistimos hoje de sujeição do estado aos desmandos dos “credores” internacionais, aos desmandos de corporações que obrigam os estados a aplicar políticas em seu favor, contra toda a lógica democrática…

O que assistimos hoje na comunicação social, assumindo o papel de propagandista do regime, papel que na “idade média” era atribuído à igreja, manipulando e controlando o “rebanho” popular, evitando o conflito social (o feudalismo económico continua a ter medo da luta de classes)…

O que assistimos hoje, na desregulação do trabalho, na desvalorização do trabalhador (até de “colaborador” lhe chamam), obrigando-o a submeter-se a organizações laborais sem liberdade alguma, a troco de um mísero salário que nunca lhe permitirá sair da miséria…

O que assistimos hoje de utilização da caridade como elemento substitutivo das prestações contributivas de um “estado civilizado e democrático” preocupado com o bem-estar dos seus cidadãos (a par do que fazia a igreja na idade média) …

O que assistimos hoje na obrigação que os pobres sentem de permanecer à sombra dos ricos (que dominam todas as componentes da economia, cultura, entretenimento, educação, comunicação…), para que com as suas migalhas, se possam sentir um pouco mais seguros…


Não vale a pena estes governos burgueses virem dizer o contrário… A submissão do estado à elite económica e financeira, o seu enfraquecimento e a “des-democratização” da sociedade, custará toda a civilização ocidental conhecida…

Na era da sublevação da propriedade privada e do interesse individual (que não é nem nunca será democratizável), por oposição ao interesse e propriedade públicas, o resultado só pode ser um…

A História não mente!

P.s. Mas a história também nos diz que no fim de cada idade média entramos numa nova “era” de relações de produção, sociais e económicas… Toca a reler o Marx!

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