Parasitas



Na ânsia da modernidade, do progresso e do desenvolvimento, Vila de Cegos, uma pequena cidade, cujo nome mais não reflectia do que a incapacidade para se utilizar o instrumento óptico para ver e não para olhar, ficou muito contente quando descobriu que o seu monte mais alto e volumoso, de verdejantes pastos e poiso de plantas, aves e animais de todas as cores e tamanhos, por mão humana ou divina, possuía um filão enorme de minério.

Estamos ricos! Estamos salvos! Finalmente vamos sair da pobreza! Estas eram conversas reinantes nos mais variados espaços públicos. Foram dias e dias de festas, boas disposições e ilusões. Finalmente iria haver emprego com fartura, desenvolvimento, progresso e evolução. Uma empresa multinacional já tinha garantido a concessão da exploração e as perspectivas eram animadoras. Finalmente os filhos de Vila de Cegos iriam ter acesso a uma vida melhor.

Vila de Cegos, com o seu rio de águas prateadas, de peixes saborosos que se apanhavam à mão, de solos abundantes, onde o poisio era uma miragem porque desnecessário, de ares e aguas termais, onde a saúde era uma obrigação e uma imposição, considerava-se, estranhamente, uma vila pobre. Diziam os seus habitantes que lhe faltavam os néons, os automóveis, as buzinas, as rotundas, os semáforos e até o cinzento do cimento em altura. Faltavam-lhe os prédios e as estradas, faltava-lhe vida, ao que diziam. Vila de Cegos era, naturalmente, uma vila sem artificialidade.

Passado algum tempo, nunca a vidinha tinha ido tão bem. Carros cada vez maiores circulavam na vila, é claro que nenhum era dos seus habitantes, mas ao vê-los passar, todos pensavam que um dia poderiam lá chegar. Casas e mais casas, com esgotos e mais esgotos, o espaço humanizado massificava-se e tirava forma à natureza.

Era o progresso, a modernidade e a sofisticação. A empresa mineira, extraía de dia e noite, sem parar, em turnos rotativos que esgotavam aqueles que neles se integravam. Valia a pena, pensavam, por um futuro melhor, valia a pena, mesmo que o presente prometido ainda não se estivesse bem a ver. Mas, como se costuma dizer, o sonho comanda a vida e a esperança é a última a morrer. Mesmo as famílias das vítimas de acidentes e doenças continuavam a pensar que valia a pena.


Subitamente, o minério começou a escassear. Tinham passado muitos anos sob o ritmo de uma exploração cada vez mais desenfreada e intensiva. Não fazia mal, o que importava era produzir mais e mais riqueza. O problema é que, para além da abundância de ritmo, havia abundância de gente, de casas, de carros, de estradas, de rotundas, de sinais e de…centros comerciais.

Do rio espelhado e prateado, dos campos frescos e verdejantes, dos solos reprodutores sem fim, do ar e águas revitalizadoras já ninguém se lembrava, tinham caído no profundo esquecimento dos mais velhos. Os tempos eram outros, diziam os mais novos.

Na sequência da crescente escassez de minério, a produtividade começou a descer, de repente o gráfico da rentabilidade começou a apresentar uma tendência de evolução decrescente. Não é que não desse lucro, não é isso, o problema é que o lucro já não subia de ano para ano, agora, descia de ano para ano, mas ainda existia.

E a empresa começou a prospectar noutros locais e a mais aterradora e antes imprevisível das notícias surgiu. A empresa ia deslocalizar-se. A empresa tinha encontrado minério noutro local, muito minério para explorar. Um novo local, onde o gráfico iria voltar a crescer.

O emprego foi-se, o ordenado foi-se. A população teria de virar-se novamente para o passado, teria de virar-se novamente para as actividades tradicionais.


Tal como o emprego se tinha ido, também a juventude havia tido o seu tempo, somente os doentes e velhos sobraram. A mina tinha feito as suas vítimas. Mas também tinham ido as águas prateadas do rio, os seus peixes morrido envenenados de metais pesados libertados pela mina. Os solos poluídos de metais não menos pesados, agora…nem com pousio lá iam. Igualmente os campos verdejantes estavam secos e os ares e águas rejuvenescedores tinham envelhecido como tudo o demais. Vila de Cegos estava mais pobre do que nunca. Melhor, agora, Vila de Cegos não era pobre, era miserável. Dezenas de anos de mina e no fim, para além de ninguém ter acumulado o suficiente para sobreviver, o pouco que tinham deixaram de ter.

A ilusão do progresso, da modernidade e da sofisticação deu lugar à depressão. Tanto trabalho, tanto esforço, tanta exploração e Vila de Cegos encontrou-se mais miserável que nunca.

Vila de Cegos mudou de nome, talvez se tenha passado a chamar Vila de Vistas e assim talvez possa ver uma luz no fim do túnel. Pelo menos algo aprendeu. A riqueza só vale a pena, se for para ser distribuída.

Até quando continuaremos a ter empresas parasita?

Hugo Dionísio

1 comentários:

Jose Ramos Perfeito disse...

Parabens pelo texto. A historia do mundo, no fim de contas. a diferenca e que nos nao vamos poder voltar atras e mudar apenas de nome. Esta muito em jogo.
As empresas tem homens por detras, que as planeiam e as gerem, nao devmos nos saber e conrolar esses homens. Afinal quem deslocaliza ou quem transfoma as empresas em parasitas?
Parabens mais uma vez, gostei muito.
Abraco