Surfar nos "indices"!


Anthony entrou no hall em passo acelerado. Tanto que, quando se enfiou na porta rotativa da sede da sua Corporation, deu duas voltas à mesma sem dela conseguir sair, tal a velocidade a que ia.

Anthony, é um daqueles quadros intermédios que, a troco de algum dinheiro, um carro, telemóvel, gabinete, retribuição “on stock” e algum estatuto dentro da empresa (almoça com os chefes e não na cantina com os outros “colaboradores”, ou com o restante “capital humano”), deu a sua alma, o seu tempo e o seu coiro. Neste momento já está em dívida e da sua vida já nada tem (alugam-se córpos? pensa). Anthony não é um trabalhador, Anthony é um Colaborador. Pode ser também um funcionário, empregado, contratado, trabalhador é que não. Esta palavra foi banida das universidades de economia, gestão, finanças…

Como dizia, Anthony entrou no hall da EasyFire Co., a corporation onde “colabora” na condição de “assalariado” como Executive Adviser, na área da economia, gestão financeira, gestão estratégica, engenharia financeira e outros ofícios competitivos. Como de costume, este rapaz respira dinheiro. Ele são títulos, índices, taxas, spreads, profits, budjets, finanças, números, recursos, capital…

Anthony entrou para o elevador, o hiper-rápido elevador (senão era despedido, que foi o que aconteceu ao anterior, mais bonito, mas mais lento) da sede da multinacional, e preparou-se para o “briefing” semanal.

Peter Halls, “chairman” da EasyFire Co. esperava impaciente pelo seu Adviser, fazendo sala aos membros do CEO.

Aquela reunião dependia de Anthony e o bem-estar dos conselheiros também. Aquele era o dia da apresentação do Account report do último trimestre. Anthony prepara o seu “laptop” e inicia a apresentação. O que lá vinha não era nada de bom. O Índice de crescimento da taxa de lucro tinha descido em relação ao trimestre anterior. A “corporation” continuava a dar enormes lucros, mais do que algum ser humano ou alien algum dia conseguiria gastar, mas o índice, a linha no gráfico anual tinha descido.

Anthony, ainda novato nestas coisas, ficou admirado com a reacção dos presentes. Ele era suores, espasmos, arrepios, e isto por entre gritos e gemidos de dor. Não era razão para tanto, pensou ele.

No entanto, preocupado com o rumo dos acontecimentos, decidiu apresentar um “problem solving”, vamos tomar medidas para que as nossas acções subam e assim realizar algum capital. Assim permaneceremos competitivos.

A reunião acabou e Peter Halls, o seu chefe chamou-o ao seu escritório e perguntou-lhe o que fazer, dizendo-lhe que, desde logo, fizesse o que fizesse, o índice de crescimento da taxa de lucro teria de subir a pique no próximo trimestre.

Anthony, olhou para o mapa-mundi à sua frente, cheio de pionés, cada um representando uma unidade produtiva individual e inquiriu Peter Halls sobre qual era a sua opinião para resolver o problema, afinal era fundamental que não perdessem competitividade. Era fundamental que permanecessem competitivos.

Peter Halls pegou em dois pionés e disse: - vamos anunciar o fecho destas duas fábricas.

Anthony perguntou: - Quais? Ao que Peter voltou a responder: - Sei lá! Tirei duas ao calha, depois os meus advisers, como tu, dirão e verão quais são.

Anthony, estupefacto, mas já habituado a este tipo de comportamento, competitivo, disse: - Mas… com isso irão milhares de pessoas para o desemprego!

Peter respodneu: - Ai sim? Deixa lá, muitas mais há no mundo que essas milhares! O que é fundamental é a sobrevivência da empresa! Não dramatizes. Isto é apenas um “downsizing”. O tão normal, conhecido e inofensivo “downsizing”. Mas que raio de economista és tu?

Anthony, meio atónito (só meio), retorquiu: - Sobrevivência? Mas nós estamos a dar lucros! Muitos milhões! Para quê um “downsizing”?

- Pois é, mas o índice está a descer e eu quero vê-lo subir e basta fechar duas destas, se não terão de ser mais, para aumentar o valor das acções e com isso criar uma dinâmica de crescimento e optimização da performance empresarial que levará à subida do índice.

- Mesmo que milhares fiquem na miséria? Perguntou, consciencioso, Anthony.

- Meu caro Anthony, capital já tenho eu demais e não me serve de nada, agora o que está a dar é fazer surf nos índices de crescimento! Quanto maior o índice, maior o pico, maior a onda! É melhor que sexo! Retorquiu Peter.

- Mas…, você está viciado no índice! Descobriu Anthony

- Pois estou. Olhe, estou aqui a ver o Bloomberg e as nossas acções já estão a subir e bastou mandar o nosso corrector espalhar o rumor dos despedimentos! Até já me estão a passar os suores, os arrepios…

Moral da história:

Já sabem a causa das deslocalizações, despedimentos ou downsizings. Isto é obra de viciados, como no jogo! É o “cold índex”!

Hugo Dionísio

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